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Opinião|A ousadia que nos falta

Desintoxicar uma sociedade viciada em benefícios estatais é dever de um estadista

Atualização:

A vitória de Joe Biden nos Estados Unidos é um alívio para o mundo, mas a ideia de que o Brasil precisa de um Joe Biden para vencer a eleição presidencial em 2022 é errada e perniciosa. É verdade que tanto o Brasil como os Estados Unidos necessitam de um presidente capaz de restabelecer a confiança nos fundamentos do Estado de Direito, reconstruir o diálogo plural e o respeito pelas minorias, em nações fraturadas pelo radicalismo político e pelo populismo. Mas as semelhanças terminam aqui.

O estilo de liderança de Biden é ótimo para os Estados Unidos e péssimo para o Brasil. Um país onde imperam o dinamismo da maior economia do mundo, a segurança jurídica e a existência de instituições fortes e confiáveis, a eleição de um presidente capaz de restaurar a normalidade institucional e a serenidade política são bem-vindas. Biden reúne experiência política, uma boa equipe de governo e a capacidade de dialogar com o Congresso para enfrentar os cinco grandes desafios: resgatar a confiança no governo, enfrentar a crise da covid, recuperar a credibilidade internacional dos Estados Unidos, reavivar a economia e engajar a sociedade civil no enfrentamento dos reais problemas sociais e raciais do país.

Já quanto ao Brasil, o contexto é completamente diferente e requer outro tipo de liderança. Uma nação dilacerada pela instabilidade política e pela insegurança jurídica, carcomida pelo aumento da pobreza e da desigualdade social e destruída por uma década de recessão econômica e baixo crescimento necessita de líderes transformadores, como Ronald Reagan e Margaret Thatcher.

O Brasil precisa de um presidente que tenha coragem de fazer aquilo que nem os governos de esquerda nem os de direita foram capazes de fazer nos últimos 20 anos: enfrentar os interesses corporativistas que capturaram o Estado, sepultar privilégios e benefícios públicos que causaram a explosão do gasto público, combater a desigualdade social sem escravizar os pobres no assistencialismo estatal, abrir a economia para a competição global e compreender que a preservação do meio ambiente é um ativo econômico vital para a retomada do crescimento, do investimento privado e da reconstrução da reputação internacional do País.

O momento requer um presidente que tenha coragem de sepultar a eterna ilusão de que é possível tirar o Brasil do atoleiro com reformas tímidas e manutenção dos benefícios que alimentam os feudos do corporativismo público e privado. Pobreza e desigualdade social são retratos de governos incompetentes e de um Estado capturado por interesses corporativistas que edificaram fortalezas de privilégios e de subsídios. O resultado dessa dependência tóxica dos feudos público e privado que vivem à custa do Estado custam muito caro ao Brasil. Ela nos condena a conviver com uma carga tributária exorbitante, perpetuação da pobreza, baixo crescimento econômico, alto desemprego, queda dramática da produtividade e incapacidade de competirmos nos mercados globais.

Se continuarmos o longo e penoso revezamento de líderes populistas e de governantes medíocres na Presidência da República, o Brasil estará condenado a se contentar com vitórias tímidas e avanços insignificantes promovidos pelo “politicamente possível”. O atual governo é mais um exemplo da perpetuação da mediocridade. Venceu a eleição dizendo que abriria a economia, privatizaria estatais, promoveria as reformas do Estado, mas ao chegar à metade do seu mandato foi incapaz de privatizar estatais, apresentou propostas tímidas de reformas e se aliou aos caciques do fisiologismo político, que não querem mudar o arranjo institucional que os mantém no poder.

Quando Margaret Thatcher assumiu o poder, em 1979, e quebrou a sina do “politicamente possível”, ela teve de enfrentar resistências no seu próprio partido. Os caciques partidários pediram-lhe que fosse menos radical no teor de suas reformas, pois elas poderiam comprometer a sobrevivência do governo no Parlamento e levar o partido à derrota na eleição seguinte. Thatcher deixou bem claro que não iria recuar – “the lady is not for turning”. Ela perseverou na defesa de suas propostas ousadas e continuou a desafiar o Parlamento e o seu partido para promover as mudanças transformadoras que modernizaram o Reino Unido e permitiram ao país voltar a prosperar no mundo globalizado. As reformas de Thatcher foram aprimoradas pelo primeiro-ministro trabalhista Tony Blair, que deu sequência às mudanças iniciadas pela primeira-ministra conservadora. Quando lhe perguntaram qual havia sido o seu maior legado político, Thatcher respondeu “Tony Blair”. Era a prova cabal de que a agenda modernizadora do Reino Unido havia se tornado a agenda do País e não apenas de um partido político.

O Brasil precisa de um presidente com a determinação pessoal e a ousadia política de Thatcher para desintoxicar uma sociedade viciada em benefícios estatais. Não é uma tarefa para ganhar popularidade, mas um dever de um estadista que deseja deixar o País melhor, mais competitivo e menos desigual para as próximas gerações.

FUNDADOR DO CENTRO DE LIDERANÇA PÚBLICA (CLP) E DO VIRTUNEWS

Opinião por Luiz Felipe D’Ávila