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Opinião|A privatização da primeira refinaria do Brasil

Os ativos foram vendidos a investidores qualificados, com capacidade financeira e compromisso com o Brasil

Atualização:

O destino determinou que a primeira refinaria construída no Brasil, a RLAM, na Bahia, inaugurada em 1950, batizada de Mataripe e depois Landulpho Alves, fosse a primeira a ser privatizada na história econômica do País, vendida para a Mubadala Capital, do Abu Dhabi. 

No discurso de posse na Petrobras prometi que a companhia não ficaria sozinha na indústria brasileira do refino. Monopólios restringem a liberdade do consumidor e impõem tributação disfarçada, sem aprovação do Parlamento. O monopolista acaba convidando intervenções do Estado na economia, matéria-prima de fabricação de pobres.

Fundamentada na Lei 9.478/1997, desde janeiro de 2002 vigora no Brasil a liberdade de preços em todos os segmentos do mercado de combustíveis, desde a produção até a revenda ao consumidor final. Entretanto, pressões sobre a Petrobras e intervenções nos preços de mercado foram comuns em todos os governos.

Ao lado da redução de riscos de interferência política, dois objetivos eram importantes:  a) gerar caixa para pagar a imensa dívida da Petrobras; e  b) melhorar a eficiência dos recursos, realocando capital para investimentos, em que a companhia é a dona natural, como a exploração de petróleo em águas profundas, onde tem rentabilidade elevada, desinvestindo simultaneamente em ativos que outros podem extrair maiores retornos e, assim, incentivos para investir em expansão.

A equipe de estratégia da Petrobras desenvolveu um plano para o desinvestimento de metade da capacidade de refino da empresa, compreendendo oito refinarias. Para mitigar os riscos futuros, foi firmado com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) um termo de cessação de conduta em junho de 2019.

A caminhada para o desinvestimento da RLAM foi longa, de 30 meses, e desafiadora, exigindo planejamento, trabalho em equipe, coragem e persistência para superar múltiplos obstáculos. 

As refinarias estatais são tratadas como ícones pelos defensores da presença do Estado na economia, fonte de oposição externa e interna à sua privatização. 

Ações judiciais levaram a dois julgamentos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2019 e 2020. A Petrobras foi vitoriosa em ambos – outro resultado simplesmente cancelaria o plano. 

Fez parte dos desafios lidar também com as ameaças de greve, as abomináveis fake news e as denúncias mentirosas.

Internamente, o esforço de comunicação acabou por convencer a maioria de que a privatização não significaria desmonte nem demissões em massa, seria benéfica para a Petrobras e para o Brasil.

Os novos donos precisariam dos serviços dos empregados da Petrobras, teriam estímulos para investir e a competição os impediria de estabelecer preços acima do mercado. Não venderíamos o ativo para aventureiros, somente para investidores qualificados, com capacidade financeira, conhecimento e compromisso com o Brasil.

As refinarias, ativos da Petrobras, foram alvo de trabalhoso processo de carve-out, removendo-as da estrutura da companhia, dando origem a oito novas companhias, livres de eventuais riscos da holding.

As etapas do processo acordado com o Tribunal de Contas da União (TCU) foram rigorosamente obedecidas, requerendo diálogo contínuo e zelo para evitar retrocessos. Não foram poucas as aprovações obtidas dos órgãos de governança da companhia e do Conselho de Administração (CA), que se aprofundou nas análises e apoiou a diretoria.

Foram vencidas todas as etapas, a Petrobras convidou mais de mil investidores, assinou dezenas de acordos de confidencialidade com interessados em ter acesso aos dados, recebeu ofertas de compra não vinculantes em novembro de 2019 e finalmente as vinculantes em junho de 2020. Depois de longa negociação para acertar detalhes contratuais, a Mubadala foi declarada vencedora. 

Para a aprovação pela governança da Petrobras, em adição às análises internas foram apresentadas avaliações de três bancos internacionais, parecer jurídico de advogados externos e pareceres técnicos da Fundação Getulio Vargas e da consultoria IHS Markit, e documentos foram disponibilizados para o TCU e para a Controladoria-Geral da União (CGU).

Depois da assinatura do acordo de compra e venda em março de 2021, a transação foi auditada pelo TCU e aprovada pelo Cade. 

Esta jornada agora se encerra com o fechamento da transação, a transferência da RLAM – agora com seu nome original de Refinaria de Mataripe – juntamente com a infraestrutura de logística, terminais e dutos para a propriedade da Mubadala por US$1,65 bilhão. 

É um marco histórico, de cuja construção me orgulho de ter participado, apoiado pela equipe guerreira e competente da gestão de portfólio da Petrobras.

É motivo de felicidade que o comprador seja uma empresa global, com parcerias e investimentos em várias áreas, inclusive em petróleo e combustíveis, negócio bem conhecido por um investidor árabe. A Mubadala possui ampla presença no Brasil, onde tem investido significativo volume de capital, alocado principalmente em negócios de energia e infraestrutura. 

As perspectivas para a RLAM não poderiam ser melhores.

Opinião por Roberto Castello Branco