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Pesquisador em Educação e doutor em Economia pela Universidade Vanderbilt (EUA), Claudio de Moura e Castro escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|A subjetividade envergonhada

Minha cruzada é para dar legitimidade ao subjetivo, nem tudo se resolve no objetivo

Atualização:

A FIA realizou uma pesquisa em empresas, mostrando muitos resultados interessantes. Fixo-me em apenas um.

Observou-se que para selecionar futuros chefes as credenciais técnicas dos candidatos eram usadas. Ora, sabe-se que para essa função traços como liderança são mais relevantes do que diplomas.

Por que escolher pelo diploma, sendo sabidamente um critério frágil? Por que em alguns lugares escolhem diretor de escolas por provas escritas? Por que aplicar provas de escolha múltipla, em vez das perguntas abertas? Por que concursos usam critérios quantitativos que não captam os traços desejados? Parece tudo errado!

Para entender essas bizarrices embarco numa excursão nos meandros remotos da nossa cultura. No passado, nepotismo, compadrio e vantagem própria reinavam nas decisões.

Foi achada uma carta para um senador, escrita por um fazendeiro rico. Na missiva, dos tempos imperiais, reclamava indignado haver pedido a ele para fazer entrar seu filho na Faculdade de Direito, o que não aconteceu.

Quando virei diretor-geral da Capes, um alto funcionário do MEC revelou-me seu desapontamento com a instituição. Imagine, havia negado o pedido de uma bolsa de estudos para o filho de um magistrado!

No período que passei lá ganhei alguns presentes de pais agradecidos por seus filhos haverem ganho bolsas (uma rede, um pote de geleia de jabuticaba e uma panela.). Esses mimos sugerem a dúvida de que o mérito do pimpolho pudesse não ser o critério usado.

É a cultura do atraso. Vem de longe e sobrevive. É o particularismo de Talcot Parsons. Contrasta com o universalismo dos critérios em que conta o mérito.

Alvíssaras, o Brasil se modernizou. Perderam espaço as amizades e os favores.

Porém, nessa transição, muitos temem ser acusados das velhas práticas, preterindo escolhas meritocráticas. Inseguros, acham melhor escolher a pessoa errada do que arriscar a reputação! E mais, é preciso proclamar e demonstrar que os critérios foram “objetivos”. Se tem números, é “objetivo” e rigoroso, mesmo que irrelevante. Nada de “subjetividade”.

Louvemos o encolhimento do nepotismo e das vantagens pessoais. Porém, ainda que o conserto não fique pior que o soneto, há um defeito essencial nesta nova direção. É a fuga do “subjetivo”, como se fosse um belzebu a ser exorcizado.

Quem saltou mais alto? Quem fez as contas sem erros? Quem programa melhor em Python? Esses traços pessoais podem ser confortavelmente quantificados. É o reino do objetivo.

Mas alto lá, “subjetivismo” não é palavrão! Entra em cena para escolher entre uma pesquisa mais criativa e outra mais rigorosa. Ou quando o juiz avalia as atenuantes de um crime. Aliás, em quase tudo.

Quando considerou a possibilidade de se casar, Darwin elaborou uma planilha com os prós e os contras. Conseguiu assim escapar do subjetivismo? Não, apenas listou os aspectos a serem levados em conta. Em quase todos, não há números que captem a essência da escolha. E também é subjetiva a importância relativa de cada um.

Grande parte das nossas decisões são processadas nos subterrâneos da nossa mente. O nosso lado consciente recebe a resposta pronta, vinda lá do porão. Na hora de comprar ou não uma casa, pesquisas mostraram que grande proporção das decisões é tomada ainda na rua, antes de entrar. Cadê a análise fria de todos os aspectos?

Ao contrário do que se pensa, os pesquisadores não trabalham guiados pelo método científico. Navegam no mundo da subjetividade, da imaginação, das metáforas e das analogias, somadas à sua experiência prévia. O método vem depois, para assegurar que os resultados sejam confiáveis.

Na prática, a subjetividade convive com a objetividade. Perigo! O que é “objetivo” será sequestrado pela inteligência artificial! Como a subjetividade é a capacidade de julgamento, é ela que nos salvará da obsolescência – pelo menos, em futuro próximo.

Alguém diz: “Vou ser muito objetivo, o Zé é melhor que o Mané”. Estultice! É um julgamento subjetivo. Minha cruzada é para dar legitimidade, escancarar o subjetivo, em vez de fingir que tudo se resolve no objetivo.

Posto que os critérios objetivos são inviáveis em inúmeras situações, aceitemos a subjetividade. Escolhemos o bolsista com maior perspectiva de desempenho futuro, não o indicado pelo deputado. Mas para escolher o mais promissor, inevitavelmente, os critérios são subjetivos. O que dá legitimidade, a priori, aos julgamentos subjetivos é pautar-se pelos critérios adequados. E, também, a chamada intersubjetividade, ou seja, pessoas igualmente qualificadas chegam ao mesmo julgamento.

Paradoxalmente, convivemos pacificamente com a subjetividade para escolher o melhor cantor, a melhor música, o melhor filme.

O medo do subjetivo é uma imaturidade civilizatória. Para escapar da acusação de favorecimento ou de critérios espúrios, ou tomamos critérios objetivos e irrelevantes ou fingimos que estamos usando critérios objetivos. A segunda alternativa é menos ruim, mas o subjetivismo envergonhado é uma etapa a ser superada.

M.A., PH.D., É PESQUISADOR EM EDUCAÇÃO

Opinião por Claudio de Moura Castro
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