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O sociólogo Paulo Delgado escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|A virtude do eleitor pendular

A mecânica do pêndulo pode ajudar o cidadão a refletir sobre seu papel para não deixar a Nação entregar os pontos.

Atualização:

Eleição no Brasil é crise, não sucessão. Especialmente quando candidatos cacarejam como se botassem ovos magníficos. Com mais uma eleição de partidos estatais que não representam a sociedade, teremos o fracasso de uma geração. A pequena política das corporações criou o ardil da polarização.

Agora, quando os polos extremos do agonizante modelo populista excederam seu direito de errar – governos de esquerda como a maior distância entre o que o eleitor esperava e o que de fato aconteceu, e governo de direita como a menor –, é a hora de apelar para o sangue frio. Não deveria ser ingenuidade esperar que os polarizados participassem da eleição somente como os principais eleitores de suas ideias originais. Como insistem em querer ser o sol que não declina, que ao menos reconheçam seu papel de tranca rua.

Diante da hegemonia esgotada que deles emana e freia a extensão autônoma da vida dos brasileiros, poderiam ter a grandeza de De Gaulle, que soube a hora de parar e deixar nova explanação emergir. Nosso principal dilema é evitar o fim do social para não privar o País do seu futuro. O instinto insano pelo poder é o escárnio que completa o retrato de uma eleição sufocante e interiorana.

A vida democrática deveria ser calma, regular, e não instrumento de ninguém. O páthos de dó e pena provocado pelo apoio a Putin por esquerda e direita em campanha é um verdadeiro esganamento em política. Pois é a hipérbole de um mesmo temperamento que invadiu a Polônia em 1939 e a Ucrânia em 2022. Qual a vastidão do vazio que os motiva? O que os fustiga? Quem é o jockey que os vergasta? Existe outra política, sem foto arranjada, tom de parada, passeata ou jingle marcial?

Quando tudo parece bem para os polarizados – e sei que há boa-fé em muitos deles –, a gaia performance da campanha os aniquila. Viram exércitos pretorianos para entorpecer de má-fé a eleição.

O eleitor cauteloso é pendular, não um indeciso. O polarizado é dedo em riste. O pendular é livre para querer mudança e muito mais. Para o polarizado, os fins justificam os meios; para o pendular, melhor observar o que justifica os fins. O polarizado costuma agir fora de si, gosta de se exibir. Do livre caçoa, não leva a sério. O polarizado manipula a felicidade; o livre quer a alegria. Ser fiel a si mesmo ou ser fiel ao País, pormenores do drama eleitoral, veredas que se bifurcam.

O eleitor pendular evita o tom moralista, pressente o efeito corrosivo de massas engajadas, crê em signos que repudiam enganos e frustrações, acredita numa forma mais alta de energia social. Não é tribal, conformista, é jovem sem arrogância, envelhece sem ficar ranzinza. Muda seu voto por dever, querendo cumprir o papel de aceitar evoluções e mudanças de pensamento. O problema do Brasil é de horizonte, não é pessoal. Na era do ator, não existe liberal nem socialista. Só contraste, simplificação. Melhor rever o que se vê, o que se viu, fugir das peripécias dos artistas.

A energia que o antagonismo fornece parece propulsora de um vigor criativo e positivo. Para a sociedade democrática, e em tempos de paz, sua vibração estranha não serve de definição. A eleição é para debater diferentes concepções de como se deve governar. E não ficar satisfeito com o que se sabe. A maioria das explicações não explica. Procure ver além da escuridão.

O poder não se estrutura por razões emocionais e autoelogio. Sua tensão e eficácia têm base prática. É uma engenharia moral estruturada em fatos e números. Mal organizado ninguém ajuda o pobre a sair da pobreza, dá apenas cadarço para amarrar chinelo ao pé descalço. Há uma inversão de valores em moda: a sociedade é que serve à política e à economia, não o contrário. A força vital da política econômica se tornou a própria economia política. A simultaneidade dos dois contaminou tudo. As instituições se infectaram de egoísmo pecuniário e sugam o PIB do País para se manterem.

Um dos principais motores da manutenção do status quo é a litigiosidade. Chama a atenção o caráter autonormativo da ação de muitos juízes, a maioria dos políticos e diversos empresários: julgam, legislam e atuam para si próprios. Sua maior consciência é a da própria psicologia e mais se mobilizam para causas parasitárias. O Parlamento estimula o excesso de leis como se combinasse com os tribunais o incentivo à judicialização. Assim os dois se autoprotegem e se autojustificam, avançando juntos sobre o dinheiro do contribuinte.

Polarização é o nome desta coisa toda que rema contra a história e serve de álibi para que anjos exterminadores atuem. O polarizado não examina criticamente o louvor indevido que o beneficia e a reprovação insuficiente que o protege. Polarização não é distinção, é instinto, não opinião.

Em todos os tempos são trágicas as consequências da fúria da competição e das ideias dominadas pelo gozo do conflito. O universo do eleitor pendular precisa ser ampliado para a eleição não ser encurtada. Eleitor não é gado, a parte da frente do arado. A mecânica do pêndulo pode ajudar o cidadão a refletir sobre seu papel para não deixar a Nação entregar os pontos.

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SOCIÓLOGO E-MAIL: CONTATO@PAULODELGADO.COM.BR 

Opinião por Paulo Delgado
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