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Opinião|A xingação e os seus efeitos

É estranho o presidente continuar a ofender pessoas de quem seu futuro político depende

Atualização:

Num gesto de valentia contra si próprio, o presidente Jair Bolsonaro xingou de filho “daquilo” o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), e ameaçou o ministro Alexandre de Moraes com a afirmação de que “a sua hora vai chegar”. Essa preferência pelo confronto poderá voltar-se contra ele próprio quando inscrever no Tribunal Superior Eleitoral sua candidatura à reeleição, porque a legislação eleitoral em vigor prevê a possibilidade de impugnação do pedido de registro.

No caso de Bolsonaro, amado e odiado, é bastante provável que sejam muitas as impugnações, as quais deverão ser julgadas pelo próprio Tribunal Superior Eleitoral. Como na Justiça Eleitoral os prazos são extremamente curtos (há prazos até de horas), torna-se sempre complicada a defesa do impugnado, sendo corriqueiro ocorrer o julgamento antes que ele possa comprovar alegações ou juntar provas que não estejam disponíveis no momento.

Ainda que possa haver a mais absoluta imparcialidade dos julgadores, é muito provável que também não haja nenhuma facilidade para quem amaldiçoou a Justiça Eleitoral seguidamente, ameaçou extinguir o Estado de Direito e a democracia e recorrer “ao meu Exército”, como se o Exército Brasileiro, que é de todos nós, estivesse a serviço dele.

As impugnações de candidaturas em geral são devidas a alegações de inelegibilidade, prevista na Lei Complementar 64/90 para apuração de uso indevido, desvio ou abuso de poder econômico ou poder de autoridade em benefício de candidato ou partido político. Podem igualmente ser feitas com base na Lei da Ficha Limpa (LC 135/2010).

Enfim, abre-se um arsenal de possibilidades para quem desejar atormentar a vida do candidato e tirá-lo da disputa. Esse momento poderá ser tormentoso para Jair Bolsonaro, lembrando que sua autopropaganda valentia de nada lhe servirá diante do frio texto da lei eleitoral.

Basta que uma das previstas impugnações seja admitida para tornar insegura sua permanência como candidato, porque na Justiça Eleitoral os recursos não têm efeito suspensivo, ou seja, a execução de qualquer acórdão será feita imediatamente, com simples comunicação por ofício ou telegrama ao interessado.

O fato de a lei eleitoral não admitir efeito suspensivo dos recursos se dá por estar voltada para o interesse público e pela necessária celeridade do processo eleitoral. Na Justiça comum, a morosidade sempre ocorre em proveito do acusado, mas na eleitoral prevalece elogiável e necessária celeridade.

Azar de quem negligenciou, conduta que é considerada criminosa pelo artigo 18 do Código Penal. Bolsonaro pode ter cometido esse crime quando assumiu conduta negacionista e passou a dificultar a chegada de vacinas necessárias para imunizar os brasileiros e extinguir a covid-19. Qualquer partido político, coligação, candidato ou o Ministério Público Eleitoral pode representar à Justiça Eleitoral relatando fatos e indicando provas ou indícios para apurar desvio de conduta do candidato.

O corregedor eleitoral notificará o candidato e determinará que em cinco dias ofereça ampla defesa. A Justiça Eleitoral é mesmo muito especial e, por isso, para a configuração de ato abusivo ou lesivo não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias.

É muito estranho que o presidente Jair Bolsonaro continue a brigar e a ofender pessoas das quais dependerá o seu futuro político. Como bem dispôs o Estadão em editorial, ao invés de simplesmente cumprir a lei, ele se envolve a cada dia em novas suspeitas de desrespeito à lei.

Além de estar investigado na Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia, no Senado, são cada vez mais comprometedoras as notícias de envolvimento de seu governo em suspeitas transações para compra de vacinas. A Nação inteira aguarda pelo desfecho da acusação de prevaricação, em processo judicial em curso, cujas consequências podem ser-lhe adversas.

Enfim, se o panorama atual já lhe é bastante adverso, pior poderá estar no momento de registro da candidatura para a reeleição. É admirável que ele não se importe com isso, ou, quem sabe, ainda não tenha pressentido dificuldades muito maiores que terá de enfrentar quando fizer aquilo que ele mais deseja: disputar a reeleição.

A farra com dinheiro público desviado para parlamentares aliados de Bolsonaro também deverá ser um complicador dos mais sérios na fase de registro da candidatura. Como em sua campanha eleitoral ele prometera acabar com a corrupção e o mau uso do dinheiro público, torna-se inexplicável o orçamento secreto destinado a anestesiar os parlamentares de seu grupo. A rigor, ele assim age para garantir que o processo de impeachment, que está nas mãos do presidente da Câmara dos Deputados, ali continue, dormindo a sono solto. Esse deputado tem espinha mole e obedece a ordens dele.

DESEMBARGADOR APOSENTADODO TJSP, FOI SECRETÁRIO DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. E-MAIL: ALOISIO.PARANA@GMAIL.COM