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Opinião|Alinhamento automático ou interesse nacional

Chegou o momento de um 'novo' normal nas relações do Brasil com os EUA

Atualização:

A nova geopolítica nas relações hemisféricas abre oportunidades para a expansão das relações Brasil-EUA que não existiram em nenhum outro momento nas últimas décadas. As duas maiores democracias no Hemisfério, como é normal, têm interesses e valores convergentes, mas também outros divergentes, que impediam uma maior aproximação entre os dois governos. Razões ideológicas, nos últimos anos, impediram que matérias de nosso interesse fossem tratadas, com prejuízo direto para o cidadão comum e para projetos de grande alcance.

As relações políticas e diplomáticas do Brasil com os EUA a partir de 2019 devem passar por uma radical transformação. Declarações do presidente eleito de que “as relações com os EUA ganharão prioridade” e de Eduardo Bolsonaro de que “o Brasil está pronto a trabalhar com os EUA em todas as frentes, por convicção de que há grande convergência entre os objetivos e a visão de mundo das duas nações”, abrem caminho para uma relação claramente afirmativa. O chanceler designado, Ernesto Araújo, já disse que “o céu é o limite na relação bilateral” e que “temos de pensar grande para dar um salto qualitativo na aproximação com Washington, o que permitirá fazermos coisas que seriam impensáveis”. Numa perspectiva de médio e longo prazos, parece ser de nosso interesse a ampliação da relação, dentro de ambiente de respeito mútuo e de confiança restaurada, desde que sempre fique claro que nem tudo o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil. 

Brasil e EUA devem superar os estereótipos e preconceitos recíprocos e têm de definir o que desejam da relação com o outro. As assimetrias em todos os setores entre Brasil e EUA tornam difícil aceitar que os objetivos globais e a visão de mundo das duas nações sejam comuns, especialmente com as políticas norte-americanas relativas à China, à Síria e ao conflito Israel-Palestina, por exemplo. Um alinhamento automático - não esperado nem desejado pelos EUA - poderia materializar-se em algumas decisões como a mudança da embaixada brasileira para Jerusalém, ou em políticas globais (mudança do clima, direitos humanos, migração, comércio) - seria um desserviço à política externa e aos interesses mais amplos do País.

Como desdobramento dessa nova realidade, não será surpresa se os EUA responderem positivamente aos acenos de Brasília a Washington. As recentes visitas ao Brasil do vice-presidente Mike Pence, do ex-ministro da Defesa Jim Mattis, e do Subsecretário do Tesouro, John J. Sullivan, começaram a modificar a percepção de Washington sobre o Brasil. Um alto funcionário da vice-presidência dos EUA declarou que “há um esforço consciente do governo americano, vindo do topo da hierarquia, para uma aproximação com o Brasil”. A percepção é de que a eleição de Bolsonaro traz alguém disposto a ser parceiro. Washington pode perguntar como o Brasil e os EUA poderiam trabalhar juntos.

O foco da relação Brasil-EUA é basicamente econômico-comercial. Clara mensagem está sendo mandada pelo novo governo com a abertura da economia, com meta para o crescimento das relações comerciais, hoje ainda abaixo do potencial das duas economias, e o estímulo do investimento de companhias norte-americanas a partir de novos marcos regulatórios. 

Tendo sido embaixador nos EUA por quase cinco anos, seguindo orientação dos governos FHC e parte do primeiro mandato de Lula, procurei desenvolver ações que resultassem em maior aproximação entre os dois países. Em termos de comércio, de investimentos e mesmo no cenário internacional, o Brasil só teria a ganhar com uma relação mais próxima da única superpotência global. A condição para tanto será definir muito claramente nossos objetivos e nossa agenda nos entendimentos bilaterais. O levantamento do bloqueio de Washington ao pedido de adesão à OCDE, a finalização do acordo de salvaguardas tecnológicas que tornará viável o centro de lançamentos de satélites e restrições protecionistas a produtos nacionais são hoje as principais prioridades. 

Na área política e diplomática, a possibilidade de encontros regulares em alto nível presidencial poderia facilitar o entendimento entre o Brasil e os EUA no encaminhamento de questões pendentes na América do Sul, como a crise política, econômica e social na Venezuela. O desconvite ao governo de Caracas para a posse presidencial não contribuirá para que o Brasil colabore construtivamente para uma solução pacifica e democrática. Nos organismos internacionais, políticos, financeiros e comerciais, em que o Brasil mantém posição de influência, apesar de ter baixado a voz em algumas áreas, o entendimento poderá ser proveitoso para os dois lados. 

Com visão de futuro, seria de interesse do setor privado dos dois países se o Brasil passasse a receber dos EUA o mesmo tratamento que a Coreia do Sul, a Índia e a Turquia. Nesses casos prevaleceram evidentes considerações de natureza estratégica e militar. A motivação no caso do Brasil seria o interesse dos EUA em incrementar uma efetiva parceria com o País nas áreas de comércio e investimento, sobretudo em setores como defesa, espaço e nuclear, para permitir o acesso das empresas brasileiras a tecnologias sensíveis na cooperação bilateral. 

Segundo estudos otimistas do National Intelligence Council, de WDC, em 2025, o Brasil será uma potência econômica global entre as cinco maiores economias em termos de PIB. Nesse cenário, a posição do Brasil na região tenderá a tornar-se cada vez mais ativa e importante. A emergência do Brasil como uma potência econômica colocará novos desafios para a política externa e para a política comercial externa do Brasil, o que poderá contribuir para a construção de uma madura e profícua parceria com os EUA. 

Chegou o momento de um “novo” normal nas relações do Brasil com os EUA.

*Rubens Barbosa é presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE)

Opinião por Rubens Barbosa