EXCLUSIVO PARA ASSINANTES
Foto do(a) coluna

Economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP, consultor econômico e de ensino superior, Roberto Macedo escreve na primeira e na terceira quinta-feira do mês na seção Espaço Aberto

Opinião|Análise macroeconômica dominante no Brasil é mais aplicável a países desenvolvidos

Ela precisa ser ampliada com uma visão também voltada para o desenvolvimento econômico.

Atualização:

A análise macroeconômica ocupa-se de grandes agregados, como o produto interno bruto (PIB), índices de preços, exportações e importações totais, e variáveis de impacto generalizado na economia, como a taxa básica de juros e a de câmbio. Entre os livros-texto sobre o assunto adotados nas nossas faculdades de Economia, são comuns os de autores dos EUA, um país desenvolvido. Para quem quiser conhecer um destes livros, traduzido para o Português, há o intitulado Macroeconomia, de N. Gregory Mankiw. Outra razão dessa influência é que muitos professores das nossas faculdades estudaram naquele país, em particular em programas de doutorado.

Como se trata de um país desenvolvido, a preocupação com o desenvolvimento econômico é bem menor do que aqui, no Brasil, e a análise macro foca sobretudo em movimentos cíclicos ou oscilações do PIB. Assim, uma grande preocupação é com recessões, depressões e saídas delas. O desenvolvimento econômico é um conceito mais amplo, pois se estende, entre outros aspectos, a uma visão de longo prazo, a questões sociais, como pobreza, educação e condições de saúde, infraestrutura e de habitação, ao lado de verificar se as instituições de um país favorecem o desenvolvimento. Instituições são tomadas no sentido lato, e não apenas focando nas que constituem organizações, como as jurídicas e políticas. Voltarei às instituições mais à frente.

Passando à situação econômica do presente e do passado recente da economia brasileira, a análise macroeconômica tradicional e o noticiário sobre o assunto concentram-se muito no impacto da pandemia da covid-19, que levou a uma queda de 4,1% do PIB em 2020, ano ao longo do qual houve também uma recuperação em V, com a economia retornando ao PIB que tinha no final de 2019. Mas essa visão não atenta para o fato de que desde 2014 continuamos atravessando uma depressão, algo forte e mais extenso do que uma recessão. Com isso, nosso PIB ainda não retornou ao seu valor de sete anos atrás (!), o que é um desastre em termos de desenvolvimento, em particular no seu lado social, com aumento do desemprego e da pobreza. Assim, esta depressão deveria ser também uma preocupação permanente dos analistas e do noticiário econômico, até porque as perspectivas são de que ela vá continuar em 2022. Aliás, os jornais de ontem noticiaram que consultorias e bancos passaram a reduzir fortemente suas previsões da taxa do PIB em 2022, admitindo até valores próximos de 0,5% (!).

E, pior ainda, indo mais longe no passado, a taxa decenal média de aumento do PIB caiu muito a partir da década de 1980, anteriormente à qual o Brasil havia mostrado uma tendência de crescimento ao longo do século 20, particularmente forte nas décadas de 1960 e 1970, o que levou o Brasil a alcançar o status de país de renda média per capita em termos internacionais. Mas desde 1980 o Brasil vem crescendo abaixo da média dos países emergentes e em desenvolvimento. Aliás, a década de 2010 foi, em termos de crescimento do PIB, a pior desde a década de 1900!

Por que quase nada se discute sobre as razões desta “armadilha da renda média” em que o nosso PIB adentrou? E sobre como sair dela? A ausência desse debate é outro sintoma de que a análise macroeconômica dominante no Brasil é claramente inadequada em sua visão de curto prazo e na desatenção a problemas que precisam ser eficazmente enfrentados para que o País possa sair desta armadilha em que caiu.

Livros voltados para o desenvolvimento econômico hoje focam muito em questões institucionais. Entre eles, destaco o de Daron Acemoglu e James Robinson, Por que as nações fracassam? C. Douglass North foi pioneiro nesta ênfase no papel das instituições e se referiu a elas como “(...) os condicionantes humanamente desenvolvidos para estruturar a interação política, econômica e social. Elas consistem de condicionantes informais (sanções, tabus, costumes, tradições e códigos de conduta) e formais (constituições, leis e direitos de propriedade)”, exemplos estes que poderiam ser ampliados. Um exemplo de instituição que no Brasil prejudica bastante o desenvolvimento é a Câmara dos Deputados, onde é raríssimo encontrar um deputado preocupado com o bem comum dos brasileiros e o futuro do País. A maioria está voltada para si e seus grupos apoiadores, em particular para a sua reeleição, para o que se vale muito das lamentáveis emendas parlamentares com que destinam recursos públicos para cevar sua clientela eleitoral.

Nas faculdades de Economia, notei que nas últimas cinco décadas caiu o interesse pela disciplina Desenvolvimento Econômico e aumentou o voltado para a Macroeconomia, com a primeira sendo oferecida às vezes só como opcional.

Assim, a forte influência da análise macroeconômica, em prejuízo da também focada no desenvolvimento econômico, pode ainda ser vista como uma questão institucional que precisa ser enfrentada. Não se trata de abandonar a primeira, mas de ampliar fortemente o uso da segunda.

* ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), PROFESSOR SÊNIOR DA USP, É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR

Opinião por Roberto Macedo
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.