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Opinião|Ao vencedor, a crise

O presidente eleito este ano encontrará um legado de inflação alta, juros elevados, economia travada e contas públicas em perigo.

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Bolsolula é o candidato mais cotado, neste momento, para assumir a Presidência em janeiro de 2023. Em campanha contra si mesmo, o líder petista parece empenhado em se mostrar tão perigoso quanto seu rival imediato, o inquilino do Palácio da Alvorada. Deve estar ficando difícil, para muitos eleitores, distinguir os dois adversários, o ex-sindicalista e o motoqueiro avesso às obrigações de governo. As diferenças ficam borradas, quando Luiz Inácio Lula da Silva fala em controle social dos meios de comunicação, ou quando aponta como igualmente culpados pela guerra o presidente da Ucrânia, Volodmir Zelensky, e o autocrata russo Vladimir Putin. O Direito Internacional, tanto quanto o Código Penal brasileiro, diferencia claramente o agressor e a vítima. O agressor, neste caso, foi saudado por Jair Bolsonaro, poucos dias antes da invasão, com uma declaração de solidariedade.

Quem se esforça para ver os detalhes ainda pode apontar algumas distinções. Lula jamais combateu vacinas ou quaisquer medicamentos. Além disso, é difícil imaginá-lo indiferente a milhares de mortes, durante uma epidemia, ou devastando o Ministério da Saúde. Mas ele se aproxima do rival quando propõe irresponsabilidades, como a revogação da minirreforma trabalhista de 2017, a eliminação do teto de gastos e a intervenção nos preços da Petrobras. Também perde pontos, diante de qualquer cidadão atento, quando fala em deixar para depois de eleito um debate amplo e claro sobre política econômica. A frase apareceu na entrevista publicada pela revista Time: “Nós não discutimos política econômica antes de ganhar as eleições”.

Nenhum candidato sério recusa a exposição de seus planos, especialmente depois de haver apresentado ideias polêmicas sobre política fiscal, leis trabalhistas e gestão de uma empresa com ações no mercado. Expor planos e discuti-los é ainda mais importante quando a economia está emperrada, a indústria retrocede, os preços disparam, o desemprego continua elevado, os juros vão às alturas e a dívida pública se mantém acima dos padrões internacionais.

O presidente eleito vai encontrar um legado econômico desastroso. Terá de trabalhar desde o primeiro minuto – ou desde antes da posse – para abrir algum espaço a uma nova política, se tiver, de fato, alguma pretensão de consertar e dinamizar o País. O Banco Central (BC) projeta inflação acima de 7% neste ano e próxima de 3,5% em 2023, mesmo com juros muito altos e crédito apertado. Mas há previsões bem mais feias.

Novas estimativas do setor financeiro apontam alta de preços na faixa de 8% a 10% em 2022. Só com muito otimismo se pode apostar num grande recuo na virada do ano, como se os fados quisessem dar boas-vindas a um novo governo. Em condições pouco melhores, a redução dos juros básicos deverá ser gradual. O crédito escasso continuará dificultando o consumo, entravando a atividade econômica e encarecendo a dívida pública. Projeções da pesquisa Focus divulgadas no começo de maio indicaram crescimento econômico de apenas 0,70% neste ano, de 1% no próximo e de 2% nos dois anos seguintes.

Essa taxa de 2%, frequente nas projeções de médio e de longo prazos, corresponde ao potencial de expansão econômica estimado para o País. Há quem estime potencial menor, mas a mensagem é basicamente a mesma: o Brasil está despreparado para avançar mais velozmente e de forma sustentada. Sua capacidade produtiva tem sido limitada por baixo investimento em máquinas, equipamentos, obras civis, infraestrutura e – detalhe nem sempre lembrado – educação, ciência e tecnologia. O valor investido em capital físico oscila, desde o começo do século, perto de 18% do Produto Interno Bruto (PIB), taxa bem inferior àquelas observadas em outras economias emergentes. Concebida há muitos anos, a meta de investir o equivalente a 24% ou 25% continua sendo apenas um desejo.

Para retomar o crescimento duradouro e a modernização, será preciso definir metas qualitativas e quantitativas de investimento e garantir a mobilização de recursos públicos e privados. Isso envolve planejamento, uma atividade fora dos padrões do presidente Jair Bolsonaro, de sua equipe econômica e, de modo geral, dos ministros e daqueles aliados notáveis principalmente pela voracidade.

Muito mais propenso a inaugurar do que a iniciar obras, o presidente encerrará seu mandato, desastroso para a economia e perigoso para a ordem democrática, sem ter sido contaminado pelas noções de governo, de administração e de responsabilidade presidencial.

Uma derrota eleitoral de Bolsonaro será um ganho para o País, para a civilização e para a limpeza ambiental. Mas é cedo para apostar numa ampla regeneração econômica. Candidatos mais promissores em termos econômicos e políticos continuam mal situados nas pesquisas. Luiz Inácio Lula da Silva pode ser menos perigoso que Bolsonaro, em alguns aspectos. Mas seu segundo mandato abriu caminho para os desmandos da presidente Dilma Rousseff e seu discurso de candidato, hoje, está longe de prenunciar um governo sério e seguro para o País.

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Opinião por Rolf Kuntz

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