Foto do(a) page

Conheça o Espaço Aberto na editoria de Opinião do Estadão. Veja análises e artigos de opinião em colunas escritas por convidados e publicadas pelo Estadão.

Opinião|Bolsas x bolsos

O resultado vai depender do futuro econômico, político e social do Brasil

Atualização:

A conceituada Coluna do Broadcast do Estadão do último dia 5 de janeiro informa que a bolsa brasileira ainda é um ambiente dos pequenos investidores. Apenas 30 mil possuem mais de R$ 1 milhão em ações (2% do total).

A notícia me levou a reler o excelente livro de Raymundo Magliano Filho Por uma Bolsa Democrática e rever a questão da função social exercida pelas bolsas de valores. A estratégia estaria correta? O livro de Magliano oferece uma abrangente e rica bagagem teórica para compreender a função dessas instituições na sociedade.

A notícia da Coluna do Broadcast informa que o grupo de investidores nela referido, caso tenha uma carteira com um rendimento de dividendo de 3%, pagará anualmente R$ 36 com a nova tarifa sobre o processamento de proventos, criada pela chamada B3 e anunciada na esteira na nova política de preços que também reduziu tarifas cobradas para a negociação de ações, “de olho no desenvolvimento do mercado e para atração de pessoa física”.

O investimento nas bolsas é o mais atrativo para os bolsos dos investidores?

Raymundo Magliano dedicou oito anos de sua vida empresarial à presidência da Bovespa, procurando demonstrar informações mais objetivas a respeito de uma bolsa de valores e sua importância. Por isso a mídia reserva parte de sua grade horária para mostrar como a bolsa reagiu a determinado acontecimento político, econômico ou social.

A fração exercida pela bolsa e sua repercussão no bolso do investidor é pauta constante.

Os impactos da política econômica são diretos. A chamada “modificação” na economia à época, dando ênfase desproporcional à produção de grãos para o mercado externo, em especial a China, foi fulminada com a “quebra” da nação brasileira, com recessão, desemprego e aumento da dívida pública e privada. É evidente que tal política atingiu severamente as bolsas de valores, em particular, o mercado financeiro em geral.

As bolsas ainda são mercadamente elitistas? O mercado financeiro ainda está na raiz da pior crise financeira mundial e pouco ou quase nada tem sido feito para corrigir essa grave situação. Por que insistir na defesa de uma “bolsa democrática”, como propõe Raymundo Magliano? Seu livro, que é dividido em duas partes, na primeira trata do material teórico que permite uma compreensão sobre o significado da bolsa de valores.

O autor procura responder a Max Weber, que em seu livro A Bolsa, afirma: “A mesma superficialidade, todavia, é também responsável pela perigosa ideia de que uma instituição como a bolsa, simplesmente indispensável a qualquer organização da sociedade que não seja rigorosamente socialista, não passaria de uma associação de conspiradores vivendo da burla e da gatunice, à custa do honesto povo trabalhador, a qual deveria ser, assim, na melhor das hipóteses, destruída e, sobretudo, poderia sê-lo (Weber, 2004: 57-8). E, ao contrapor o modelo britânico e francês da bolsa afirma que “a bolsa é monopólio dos ricos. Nada mais insensato do que permitir que se oculte esse fato através da admissão de especuladores sem meios e, por conseguinte, impotentes, dando assim a possibilidade ao grande capital de alijar responsabilidades e de se desculpar com aqueles” (Weber, 2004: 99).

Ao responder a Weber, Magliano reafirma o que ele chama de popularização da bolsa, política que caracterizou sua eficiente gestão na presidência da Bovespa (2001-2008), como também o que ele denomina defesa da reciprocidade entre instituições da sociedade civil.

Na segunda parte de seu livro Magliano procura demonstrar a grande diferença entre o especulador e o apostador. A principal disputa dizia respeito justamente à distinção entre especular e apostar, especulador e apostador.

Durante os séculos 17 e 18, os jogos de azar e a figura do apostador eram populares e mal se distinguiam da especulação. Superar essa identificação (especulador x apostador) só seria alcançado no decorrer do século 20.

Daí a função da bolsa na sociedade. A defesa de uma bolsa democrática não diz respeito à apresentação de novos ideias. São necessárias novas práticas. Daí a importância do relato que o autor faz da experiência da Bovespa como um caso inédito de gestão democrática.

A Bovespa introduziu projetos e iniciativas que buscaram fortalecer a sociedade civil. “Além disso, sua abertura à sociedade, isto é, sua popularização no início do século 19, não só contribuiu significativamente para sua legitimação, como também possibilita, hoje, compreendê-la como um paradigma de gestão democrática, com responsabilidade social e engajamento nacional. A bandeira da educação financeira, seu maior legado, é prova de seu maior sucesso institucional e contribuição à sociedade brasileira”.

Infelizmente, como reconhece, em tão pouco tempo muito pouca coisa mudou. “A veia democrática e a revolução dos valores que marcaram aquele período definharam. Curiosamente, no mesmo ano em que minha gestão como presidente da Bovespa terminou, em 2008, estourou nos EUA a crise dos subprime, que rapidamente se expandiu e até hoje assombra os prognósticos sobre o futuro de uma economia financeiramente descontrolada. A associação é inevitável: se as bolsas de outros países seguissem o exemplo da Bovespa, se os princípios democráticos que pautaram as preocupações daquela gestão fossem aplicados e seguidos em longo prazo, teríamos conseguido evitar o martírio de 2008?”.

Apesar da visão transformadora sobre a bolsa de valores, a verdade é que o bolso dos investidores ainda não sentiu atração para o que as bolsas poderiam proporcionar.

Bolsas x bolsos: o resultado dependerá do futuro econômico, político e social do Brasil!

ADVOGADO, PRESIDENTE DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS JURÍDICAS (APLJ) E DO CONSELHO SUPERIOR DE ESTUDOS AVANÇADOS (CONSEA/FIESP)