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Opinião|Bolsonaro e os governadores

A rigor, o presidente Bolsonaro já está pagando pelos erros cometidos na pandemia

Atualização:

Prisioneiro de incontrolável vocação ditatorial, o presidente Jair Bolsonaro continua a imputar aos governadores dos Estados exclusiva responsabilidade pelo desemprego e pelos problemas financeiros enfrentados pela população neste período de recessão decorrente da pandemia de covid-19. Eu não tenho nada com isso, diz ele, porque se dependesse de mim todo mundo estaria trabalhando.

Tão inconformado se mostra Bolsonaro que chegou ao absurdo de ameaçar a Nação com a convocação do Exército Brasileiro para impedir nos Estados o necessário programa de distanciamento social, recomendação expressa da ciência e a única conduta que efetivamente influi contrariamente à disseminação do novo coronavírus.

Ao imaginar que pode conduzir o Exército conforme seu gosto pessoal e ditatorial, o presidente demonstra estranho desconhecimento da realidade. É certo que foi malsucedido em sua curta carreira no Exército, mas bem sabe que na vida social e familiar os militares sofrem as mesmas agruras e pressões dos civis, ou seja, são atormentados pelo mesmo desgoverno e pelas mesmas dificuldades.

Qual militar das Forças Armadas se sentiria à vontade para cumprir a ordem de invadir os Estados e impedir que os governadores continuassem a promover o distanciamento social, arma eficaz para o combate ao vírus? Se ele disser “quem for brasileiro que me siga”, é bem provável que siga sozinho.

Outro ponto de Bolsonaro que continua a ofender a inteligência é o constante anúncio de que age para proteger os brasileiros dos riscos do comunismo. Meu Deus, onde estão os comunistas? O milionário Lula é comunista? O empresário João Doria é comunista? Além de tola, essa afirmação faz lembrar Hugo Chávez e Nicolás Maduro, porque não se vê no presente risco algum de expansão comunista, regime que caiu de moda com o Muro de Berlim. Mesmo na China o capitalismo de Estado vai a cada dia destacando a importância da iniciativa privada e mostrando que o Partido Comunista Chinês é apenas autoritário e menos comunista. Nem se fale da combalida Cuba, onde a internet a cada dia vai mostrando aos cubanos como é boa a vida nos países livres.

Em verdade, o fantasma que atormenta Bolsonaro é a besteira que fez ao se colocar contra a vacinação, ou seja, ele ficou sozinho nesse combate. O pior é que não tem mais volta, porque chegou ao extremo de inserir o Brasil no plano internacional como o país mais incompetente de todos no combate ao vírus, ou seja, fez com que nós, brasileiros, passássemos a ser vistos como um risco para o restante da humanidade.

Parece inacreditável que ele não enxergue esse lamentável erro e continue a agir como se os governadores fossem seus adversários por defenderem a vacinação e lutarem por ela. Na verdade, é divertido verificar como investe especialmente contra o governador João Doria, a ponto de elegê-lo por conta própria como seu adversário nas eleições de 2022 para a Presidência da República. Chegou a usar os mais horríveis palavrões da língua portuguesa.

Ele se dá conta de que a vacina produzida por João Doria no Instituto Butantan talvez represente um perigo eleitoral, porque de cada dez doses aplicadas no País, oito foram produzidas em São Paulo. Fica a impressão de que prefere a perigosa não imunização a ter pela frente um concorrente que poderá ser beneficiado pela produção de vacinas e pela imunização dos brasileiros. Talvez afetado por essa perspectiva, fez nova besteira, que foi aquela ameaça à Nação de convocar o Exército para impedir nos Estados o necessário programa de distanciamento social, recomendado pela ciência e a única conduta que de fato pode evitar a contaminação viral.

A rigor, o presidente brasileiro já está pagando por erros cometidos em sua intransigência contra o distanciamento social e a vacinação. O principal deles foi o de colocar no Ministério da Saúde um general que mais pareceu um sargentão dos piores e hoje é um dos principais alvos da comissão parlamentar de inquérito no Senado.

O general referido chegou ao extremo de dizer que assumia o ministério com a incumbência de acatar cegamente as ordens de Jair Bolsonaro. Ele teve essa lealdade com o presidente, mas não com o País. Por isso os erros cometidos atuarão contra ele pelo resto de sua vida. Dificilmente se esquecerá de que dormia a sono solto no momento mais necessário para a compra das vacinas contra a covid.

É muito triste para nós, brasileiros, termos esse comando no País em momento tão trágico, que, além de tantas mortes, afeta a vida econômica e até mesmo escolar dos brasileiros. Chega a parecer inacreditável que exista um presidente da República contrário à vacinação e ao distanciamento social e ainda se orgulhe disso.

O lado pior é a completa ausência de humanidade e não se deixar afetar pelo assustador número de mortes, preferindo e estimulando as palmas do grupo que o apoia – aquelas pessoas sem máscaras que aparecem quando ele desfila de motocicleta.

DESEMBARGADOR APOSENTADO DO TJSP, FOI SECRETÁRIO DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. E-MAIL: ALOISIO.PARANA@GMAIL.COM