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Opinião|Bom senso acima de tudo

Acima de partidos e ideologias, o interesse nacional deve ser a tônica na recuperação

Atualização:

Análises e estudos das principais organizações internacionais indicam que a pandemia pode estender-se por um período maior que o antecipado. A vacina contra a covid-19 promete tardar para ser comercializada.

A recessão global vai ser profunda e demorada. As consequências sobre a economia e o comércio internacional poderão ser devastadoras, com grave queda do crescimento e do desemprego global.

A recuperação do Brasil não vai ser rápida, nem o País sairá mais forte, como alguns anunciam. Os efeitos sobre o Brasil hão de perdurar por muito tempo caso medidas drásticas não sejam tomadas. É tempo de repensar nossas vulnerabilidades e aproveitar para passar o Brasil a limpo, de modo a modernizá-lo com menor desigualdade regional e social. E também definir o lugar do Brasil no mundo, como uma das dez maiores economias, inserido de forma competitiva nos fluxos dinâmicos do comércio internacional.

O Executivo – levando em conta o pacto federativo – tem um compromisso inadiável com a aprovação e execução de reformas (sobretudo a tributária e a administrativa) e com medidas regulatórias, simplificação e desburocratização para aumentar a competitividade da economia, tornar mais ágeis as agências reguladoras e tornar efetivas as prometidas desestatizações e vendas de centenas de empresas estatais/paraestatais e concessões de serviços públicos.

Será indispensável um trabalho conjunto e coordenado com o Congresso para avançar nas medidas legislativas essenciais para criar condições de atrair investimentos do setor privado interno e externo. Com a tendência a maior informalidade e pobreza na saída da pandemia, será inevitável, na área social, discutir como tornar permanente o programa de auxílio emergencial para dar proteção a quase 80 milhões de beneficiários. A gravidade da crise, que afetou a todos, exigirá menos atritos entre os Poderes e mais agilidade e rapidez dos legisladores para discutir essas agendas ainda este ano.

Em vista do impacto da crise sobre a economia em todos os países, haverá crescimento do papel do Estado como indutor do investimento público e privado. A exemplo do que ocorre nos EUA e na Europa, o governo central deverá aumentar seu gasto para estimular a recuperação da economia, com impacto fiscal inevitável pela flexibilização de medidas de contenção fiscal, mas com políticas para o controle das contas públicas em médio prazo (âncora fiscal). No caso do Brasil, à luz das políticas liberais do governo, a ênfase está posta na importância da participação do setor privado na fase de recuperação. O envolvimento do setor privado e de organismos financeiros internacionais, contudo, não será automático e dependerá de condições mínimas de segurança jurídica para o investimento, de prioridade em relação a projetos de concessão e obras públicas e de sinalização clara de transparência no trato com o governo.

A ausência de liderança e de uma clara visão estratégica de médio e longo prazos para a condução do processo de recuperação do País pode impedir que medidas duras sejam tomadas para fazer o Brasil superar o impacto da crise. Não existe vácuo em política. Alguém terá de ocupar esse espaço.

O grupo de trabalho criado pelo Executivo e presidido pela Casa Civil deveria ser o catalisador dos esforços visando à recuperação da economia e liderar, em nome do presidente da República, a efetiva coordenação entre representantes dos três Poderes, dos órgãos reguladores e outros que interferem no processo administrativo.

As atividades desse grupo começaram a ser tratadas na famosa reunião ministerial agora tornada pública. Seu âmbito poderia ser ampliado e envolver, além do Executivo, nos próximos três meses, outros segmentos da sociedade: Congresso, economistas, empresários, trabalhadores e instituições técnicas especializadas. O Ministério da Economia começa a traçar cenários e a fazer estimativas para o day after, que – se espera – devem estar articulados com o grupo de trabalho.

Será importante conseguir um consenso mínimo para acelerar a implementação de políticas e de medidas essenciais com o objetivo de retomar o crescimento, reduzir o desemprego e aperfeiçoar as funções do Estado.

Não se pode esperar a adesão de todos ao programa que vier a ser aprovado, pela radicalização das posições em vista da divisão política existente hoje. É sintomático – e um desafio para outras forças políticas – que o PT tenha decidido engajar-se nessa discussão e dar inicio à formulação de projeto de retomada econômica, criação de empregos, reestruturação do Estado e da soberania nacional. O bom senso aconselha que o interesse nacional, acima de partidos e ideologias, com visão de médio e longo prazos, deva ser a tônica das discussões.

Caso a situação política não permita avançar com essa agenda, a alternativa será o aprofundamento da crise econômica, política e social, com a paralisia dos governos federal e dos Estados e municípios, com alto custo para a população. Nada é mais difícil de executar, mais duvidoso de ter êxito ou mais perigoso de manejar do que dar início a uma nova ordem de coisas, já ensinava Maquiavel. Essa lição de realismo deveria ser seguida hoje pelos formuladores de políticas em Brasília.

PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE)