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Pesquisador em Educação e doutor em Economia pela Universidade Vanderbilt (EUA), Claudio de Moura e Castro escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|'Brain drain': temos, mas é pouco!

Para aprender o que as sociedades mais avançadas têm de bom, a exemplo da própria atitude científica, é preciso um contato íntimo, por anos.

Atualização:

Lá pelo fim da década de 1960 soou o alarme: corroía-nos o brain drain! Estavam sendo sugados para o exterior os nossos poucos cientistas! Virou assunto de manchetes e embaraço cívico. Logo surgiu uma lei liberando da alfândega toda a mudança dos cientistas que quisessem voltar ao Brasil. Terminando meu doutoramento, fui presenteado com a isenção. Pena que eram tão parcas as minhas possessões.

Diante do barulho, as Nações Unidas encomendaram a Simon Schwartzman uma pesquisa para documentar a sangria de cérebros. Quando veio o resultado, surpresa, praticamente não havia cientistas brasileiros no exterior. Conhecidos, apenas uns três ou quatro. Tiro na água.

Ao início dos anos 80, nos quase três anos em que fui diretor-geral da Capes, dos 3 mil bolsistas no exterior, não houve sequer um que não voltasse. Aliás, com a criação da nossa pós-graduação, entravam muitos cientistas no Brasil e não saía quase nenhum.

Recentemente, volta a nova onda de denúncias: explodiu o brain drain dos cientistas e engenheiros tupiniquins! Verdade? É fácil de verificar, pois apenas temos de contar cabeças: quantas saíram?

Há 1,2 milhão de brasileiros vivendo fora. Numa população de 210 milhões, é bem menos de 1%. Comparando com outros países, os brasileiros estão aparafusados na Pátria.

Mas isso não é brain drain, pois a maioria não tem muitos estudos. Havia apenas 60 mil no exterior com diplomas universitários. Correspondem a um quinto de 1% da população brasileira com pelo menos esse diploma. Isso é perda? Convencionalmente, brain drain é quando atinge 10%. Compare-se com a Jamaica, que tem mais graduados de ensino superior fora do que dentro do país. Ou mesmo o México, que perde 16%. Até em valores absolutos, estamos na rabeira.

Mas estariam batendo asas os Ph.D., esteios da nossa pesquisa? Não há dados. O que há são inúmeras reportagens falando de fulano e beltrano que saíram. Mas brain drain é um número.

Apenas para ilustrar, suponhamos que emigram na mesma proporção em que se formam. Se um doutor se gradua para cada cem bacharéis, chegamos a um número hipotético de 600 brasileiros que assentaram praça em outros países. Ora, como há no Brasil 188 mil doutores, esse número corresponde a um terço de 1% deles. Apenas 4% da nossa produção anual de doutores já compensa essa perda. Suponha-se que subestimamos a diáspora científica, seria três vezes maior. Ainda não chega a 1% dos que estão aqui solidamente plantados.

Em que pesem casos individuais que chamam a atenção, mais uma vez as trombetas soaram errado. Sob qualquer comparação internacional, o Brasil é recordista em não perder gente bem preparada. Novamente, tiro na água.

Mas alto lá, temos um problema de brain drain. Só que é o oposto. Para a saúde econômica e científica do País, precisamos de muito mais doutores brasileiros “lá fora”. Naturalmente, precisamos também que funcionem bem as instituições locais e que saibam usar os doutores. Mas esse é outro assunto, bem mais nebuloso.

Países como El Salvador, Venezuela e Argentina perdem boas cabeças pela falta de oportunidades locais. Mas Coreia, Taiwan e China têm um brain drain espantoso, em que pese serem as grandes usinas da economia e da ciência. Suas diásporas, com centenas de milhares de cérebros, são peças fundamentais para o seu sucesso. Alguns países estimulam seus jovens doutores a se empregarem fora, para adquirir experiência.

Somos um país encarcerado dentro das próprias fronteiras. O que passa por internacionalização é puro turismo, como Disney ou oito capitais europeias em nove dias. Para aprender o que as sociedades mais avançadas têm de bom, a exemplo da própria atitude científica, é preciso um contato íntimo, por anos.

Nossas universidades têm ínfimo intercâmbio com o exterior (explicando, em parte, a sua fraca colocação nos rankings internacionais). Precisamos de mais brain drain para irrigar nossa ciência e dar-lhe eficácia. São as pesquisas conjuntas e os papers em coautoria. E até espionagem industrial. De fato, os grandes avanços científicos não se dão em países arrolhados, pois é um esforço coletivo e bem ventilado. E quem poderia produtivamente interagir com nossos cientistas locais são os brasileiros que trabalham nas boas instituições de Primeiro Mundo. Aliás, é ínfimo o número de professores titulares brasileiros nas universidades dos países avançados.

E note-se, o brain drain não tem de ser irreversível. Mais adiante, muitos voltam. E trazem uma experiência que não poderiam adquirir no Brasil. Precisamos perder muitos, para que voltem mais.

Por que, praticamente, não há brasileiros em posições de liderança nas dezenas de agências internacionais? A razão principal é que essas chefias são recrutadas dentre pessoas que militam na órbita dessas máquinas e conhecem suas manhas. Como nelas há pouquíssimos brasileiros, são reduzidas as chances de algum ser alçado à direção.

Churchill se referiu à Cortina de Ferro que isolava a Rússia do resto do mundo. Ao que parece, no nosso país tropical há uma cortina de miçangas. Precisamos rompê-la.

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M.A., PH.D., É PESQUISADOR EM EDUCAÇÃO

Opinião por Claudio de Moura Castro
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