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Procurador de Justiça no MPSP, doutor em Direito pela USP, escritor, professor, palestrante, é idealizador e presidente do Instituto 'Não Aceito Corrupção'

Opinião|Brasil, terra arrasada no combate à corrupção

Em 2023 os rumos precisarão ser retomados, com novas ações anticorrupção concretas e consistentes.

Atualização:

A dura verdade é que inexiste no Brasil compromisso estatal sério no combate à corrupção, tendo piorado muito no atual governo. Há alguns indivíduos, instituições e entidades que o fazem, mas não há sólida política pública anticorrupção nem cooperação efetiva e eficiente nesse sentido. Nem mesmo a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla), que foi criada para suprir esta lacuna, tem conseguido cumprir este papel.

Só retrocessos, ainda mais contundentes que os índices de medição têm detectado ao analisar percepção da corrupção, qualidade da democracia, liberdade de expressão e outros indicadores relacionados ao nosso patamar de desenvolvimento humano e social.

Convém aos violadores da lei destruir o legado da Operação Lava Jato, mas ela destampou nosso fétido caldeirão da corrupção, obtendo centenas de condenações, com bilhões e bilhões recuperados. Observa-se trabalho incessante de produção de artificiosas narrativas de demonização do trabalho realizado e total desqualificação generalizante de todos aqueles que combatem a corrupção e respectivos apoiadores, até os que não tenham integrado a Lava Jato.

Enquanto isso, permanece na gaveta do presidente da Câmara dos Deputados, sem justificativa, a PEC que elimina o foro privilegiado, aprovada por unanimidade pelo Senado e pela sociedade, que anseia pela mudança, mas é desprezada solenemente, assim como a PEC da prisão após condenação em segunda instância, que avançava, mas teve membros da comissão especial mudados à socapa, para evitar aprovação indesejada, pela cúpula do poder. Mas o senador surpreendido com R$ 33 mil nas nádegas, vice-líder do governo, não é punido pelo Conselho de Ética e retoma mandato, como ícone da moralidade.

Não fazem qualquer diferença, infelizmente, a existência da valorosa frente parlamentar pela ética contra a corrupção e o apoio da sociedade: as novas medidas contra a corrupção – maior pacote anticorrupção já elaborado no mundo, fruto de trabalho denso, dialógico, profundo e científico, que envolveu centenas de especialistas, instituições e entidades, como o Instituto Não Aceito Corrupção – foram condenadas a viver deitadas eternamente em berço esplêndido.

Só avançam temas de interesse da cúpula, como a PEC dos precatórios, para legitimar pedaladas fiscais, injetando dezenas de bilhões nas mãos de governistas em ano de eleições gerais, logo após o desmascaramento do escândalo monumental do orçamento secreto, mecanismo com o qual se distribui dinheiro público a aliados, sem transparência, à luz do dia, ao arrepio da Constituição. Ou a PEC da vingança, que minaria a independência do Ministério Público (MP), rejeitada por 11 votos. O líder do governo na Câmara nem disfarça o culto ao compadrio político, enaltecendo o nepotismo como se fosse modelo de conduta.

É comum ouvir a frase “a Lava Jato destruiu nossa economia”. Se eu estivesse naquela posição, agiria pela punição dos indivíduos responsáveis, pois isso é exigido por lei, pela Constituição e por convenções das quais o Brasil é signatário. O Artigo 5.º da Convenção da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) prevê expressamente que não se pode deixar de punir a corrupção sob o argumento de dano à economia. Além disso, segundo o Código Penal, neste contexto o MP não agir seria prevaricação.

Falou-se em 2021 que a Lei da Improbidade precisou de reformas porque promotores facínoras exageravam. Mas e a nova drástica lei de abuso de autoridade, não serve para isso? Narrativa para legitimar esmagamento da nossa principal lei anticorrupção. Agora, nenhuma improbidade culposa pode ser punida, mesmo com culpa gravíssima – quase nenhuma sem danos. E, quando houver danos, deve-se provar dolo específico.

Novos prazos de prescrição que fluem num piscar de olhos e que premiam violadores da lei. Tamanhos são os obstáculos que nem toda a Liga da Justiça agindo junta consegue enquadrar os corruptos. Não são limites ao abuso do Estado: muitos processos serão, isso sim, fulminados e o justo anseio social por justiça será sepultado – prevaleceu a impunidade, que ficou garantida por lei. A Lei da Ficha Limpa também foi esmagada. A impressão é de que até a lei da gravidade poderá ser logo revogada, se isso for do interesse dos donos do poder.

Robert Klitgaard e Susan Rose-Ackermann enaltecem a importância da publicização das punições importantes como estratégia essencial na ciência política para conquistar o apoio da sociedade na luta anticorrupção – é o princípio dos peixes graúdos. No Brasil, o cumprimento destes preceitos, que também faz valer o princípio constitucional da publicidade, é rotulado de espetacularização criminosa.

O Congresso se aproveita da circunstância política em que o País vive, desgovernado por presidente fraco politicamente, com alta rejeição e que resiste ao impeachment por um fio. O presidente, que fez falsas promessas de campanha de combater a corrupção, patrocina o desmonte do arcabouço jurídico anticorrupção, optando pelo negacionismo também da corrupção, seguindo o modelo Como as democracias morrem, de Ziblatt e Levitsky. Conduziu-nos à perda de rumos, que precisarão ser retomados em 2023, com novas ações anticorrupção concretas e consistentes.

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PROCURADOR DE JUSTIÇA EM SÃO PAULO, IDEALIZOU E PRESIDE O INSTITUTO NÃO ACEITO CORRUPÇÃO

Opinião por Roberto Livianu
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