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Opinião|Cem dias sem MEC, mas a educação não parou

Há movimentação intensa para apoiar uma agenda com foco nas pautas centrais

Atualização:

Após o fiasco do agora ex-ministro Ricardo Vélez Rodríguez, uma mudança de rumo na pasta de Educação é consenso no debate público brasileiro. A sociedade espera uma gestão pragmática, capaz de avançar uma agenda informada pelas evidências e experiências educacionais de êxito. Um plano que dê continuidade às políticas importantes e também introduza medidas estruturantes para viabilizar o necessário salto de qualidade. Aguardamos, assim, as próximas ações do novo ministro da Educação, Abraham Weintraub. Que ele se concentre no que deveria ser sua principal missão: melhorar a aprendizagem dos nossos estudantes da Educação Básica.

Tal foco é primordial, uma vez que a Educação Básica é um verdadeiro cipoal de responsabilidades envolvendo União, Estados e Municípios; Executivo, Legislativo, Sistema de Justiça; governo, sociedade e iniciativa privada. Sem falar nas famílias, comunidades, gestores, professores e alunos que fazem a educação “acontecer”. Dada essa intrincada trama, se o sistema educacional estiver desorganizado, os resultados das políticas públicas para melhoria da aprendizagem custam a chegar - isso quando chegam - às escolas. Embora não tenha a atribuição de gerir redes de escolas (responsabilidade dos Estados e Municípios), quem organiza, dá rumo e ritmo às políticas educacionais é o Ministério da Educação (MEC). É aí que está, portanto, a importância estratégica da pasta em qualquer governo que queira deixar um legado ao desenvolvimento do Brasil.

Apesar dessa relevância, estamos há cem dias sem Ministério da Educação. Diante desse período de vácuo programático, outras instituições se mexeram em favor dos mais de 48 milhões de estudantes da Educação Básica - muitos trabalhos apoiados tecnicamente e com a articulação do Todos Pela Educação.

Uma delas é do Congresso Nacional. A casa já retomou o avanço de pautas importantes, como a discussão sobre os aprimoramentos no Fundeb e a instituição de um Sistema Nacional de Educação (SNE). Ademais, neste 100º dia de Governo será lançada uma nova Frente Parlamentar Mista da Educação. Organizada em 10 Comissões temáticas, a frente tratará de assuntos centrais para o Ensino Básico, como os dois citados acima e também Valorização dos Profissionais da Educação, Primeira Infância e Educação Infantil e Ensino Médio e Ensino Técnico e Profissional. Apoiada em trabalhos técnicos de organizações como o Todos, a iniciativa fará o controle das ações do Executivo e proposições de encaminhamentos legais. Também no Congresso, a previdência dos professores já está no radar e há estudos encomendados pela Comissão de Educação.

Como a discussão do novo Fundeb no MEC não vem avançando, e diante da relação desse instrumento com o orçamento público, o Ministério da Economia tomou para si a tarefa de produzir um posicionamento do Executivo Federal acerca de seu desenho. Para auxiliá-lo, vêm sendo feitas apresentações de estudos e propostas organizadas por diversas instituições, como o Banco Mundial, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), o Todos, o Insper, entre outros. Além disso, o Conselho Nacional de Educação (CNE) está de olho em outro assunto inadiável: a construção de referenciais nacionais da atuação docente. Em linha com as mais bem-sucedidas experiências internacionais, o documento trará as competências profissionais essenciais a uma boa prática pedagógica, servindo de base para a construção de novos currículos de formação de professores e para dar coesão entre as diversas políticas voltadas para os docentes.

Nos Estados e Municípios, as organizações representativas também têm tomado a frente em temáticas educacionais prioritárias. O Consed (Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Educação), embasado nos temas da iniciativa suprapartidária Educação Já! (coordenada pelo Todos em 2018), produziu um documento de prioridades para o MEC e para a estruturação de Grupos de Trabalho. Por sua vez, os secretários municipais de Educação, organizados pela Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação), vêm realizando encontros para a troca de experiências sobre a implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a melhoria da alfabetização na idade certa e a oferta de Educação Infantil de qualidade. Tópicos semelhantes também estão na pauta da Confederação Nacional dos Municípios (CNM). A instituição anunciou ontem, na XXII Marcha a Brasília em Defesa dos Municípios, um acordo com o Todos para a produção e disseminação de conhecimento técnico e formações sobre mecanismos de financiamento e Fundeb, Sistema Nacional de Educação (SNE), e Educação Infantil e Primeira Infância. O tema aparece ainda em ações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que tem promovido estudos para encontrar alternativas à judicialização excessiva na disputa por vagas em Creche.

A sociedade civil também não está parada. Há enorme disposição e movimentação para apoiar uma agenda com foco nas reais necessidades educacionais. No Grupo de Institutos Fundações e Empresas (GIFE), vem sendo amadurecida a articulação entre as organizações do terceiro setor educacional a fim de aumentar a cooperação e o impacto coletivo; com seu importante trabalho de advocacy, o Movimento pela Base Nacional Comum Curricular segue assegurando as fundamentais conquistas dos últimos anos; já a Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS) e o movimento RenovaBR vêm realizando formações para os parlamentares (de inúmeros partidos), apoiados por diversas instituições, entre elas, o Todos.

Trocando em miúdos: se o MEC parou, a Educação não. O que não significa que não há mais tempo para o MEC (re)assumir seu papel central na promoção de melhorias na Educação Básica. Ainda há. Do contrário, perderá, pela primeira vez na história do Brasil democrático, o protagonismo ou até mesmo a relevância nas políticas educacionais.

* PRISCILA CRUZ É PRESIDENTE EXECUTIVA DO TODOS PELA EDUCAÇÃO