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Opinião|Ciência? Pra que ciência?!

Exemplos recentes são assustadores e ilustrativos de que Jair Bolsonaro vai muito além do discurso negacionista.

Atualização:

Em fevereiro de 2021 o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) tinha pleno conhecimento de que 16 vacinas contra o novo coronavírus vinham sendo desenvolvidas no Brasil. Desse montante, seis estavam em estágio avançado e necessitavam de aportes extras de recursos para viabilizar sua continuidade.

Ao reconhecer que a criação de uma vacina nacional seria fundamental na busca da autonomia do País para o combate à covid-19, o MCTI solicitou ao Ministério da Economia um crédito suplementar de R$ 390 milhões.

Em consonância com o discurso presidencial, o Ministério da Economia afirmou que “a demanda por crédito extraordinário para pesquisa em andamento, quando havia vacinas aprovadas e em uso em alguns países, não preenchia os requisitos constitucionais demandados para uma proposição de uma medida provisória” destinada à liberação de mais recursos para o fomento à ciência e tecnologia.

Neste momento, vale relembrar a dramática situação que o Brasil viveu em 2015, quando mais de 2.400 crianças, em 20 Estados da Federação, nasceram com microcefalia. Antes que a situação ganhasse dimensão de calamidade sanitária, uma rede de pesquisadores de instituições de Pernambuco, Paraíba, Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais intensificou as investigações para compreender o fenômeno. Muito rapidamente, identificaram que a causa da microcefalia estava associada a uma infecção provocada pelo zika vírus. Mas o fundamental, neste caso, foi a disposição do governo federal em liberar cerca de R$ 70 milhões para financiar os projetos de pesquisa que buscavam soluções para o problema. Sem esses esforços, seguramente o número de vítimas teria sido muito maior.

Como ocorrera com o zika vírus, também no caso da covid-19 o Brasil poderia ter dado um grande exemplo ao mundo não somente no combate à doença, mas também na colaboração internacional da produção de vacinas. Temos expertise na área. Por exemplo, a vacina contra o sarampo foi desenvolvida e lançada pela Fiocruz em 1983. Quando adequadamente financiada, a ciência brasileira entrega resultados. Não por acaso, ocupamos o 14.º lugar no ranking mundial da produção científica, posição que nos coloca vizinhos de países como França, Espanha, Coreia do Sul e Austrália.

Contudo, nem mesmo a necessidade de combater a maior e mais grave pandemia que o mundo enfrentou depois da gripe espanhola conseguiu motivar o presidente da República a admitir a importância do conhecimento científico e reconhecer a competência da ciência brasileira. Não foi por escassez de múltiplas evidências e inúmeros exemplos de atitudes políticas. Trata-se de uma posição eminentemente ideológica que está levando o Brasil para um patamar de desestruturação de instituições e políticas públicas em que o conhecimento científico e o desenvolvimento tecnológico atuam direta e indiretamente, sempre em benefício do País.

Não constitui exagero afirmar que a grande irresponsabilidade do governo federal com o futuro é algo somente comparável aos efeitos destrutivos causados por guerras ou desastres naturais. A diferença é que, enquanto estes provocam efeitos imediatos, a política de sufocar financeiramente o sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação faz definhar nossas universidades e instituições científicas, sucateando aos poucos sua infraestrutura e provocando a migração de pesquisadores para o exterior.

Exemplos recentes são assustadores e ilustrativos de que Jair Bolsonaro vai muito além do discurso negacionista. No início de junho, ele bloqueou R$ 2,5 bilhões (55%) do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Já agora, em julho, tentou anular a Lei Complementar n.º 177/2021, que impede o governo de contingenciar recursos do FNDCT. Aliás, mais do que contingenciar, o governo preparou um arcabouço legal para se apropriar do FNDCT. Foi derrotado no Congresso Nacional, fruto de acirrada mobilização das entidades científicas e empresariais dos setores inovadores da economia.

O FNDCT é a principal fonte de financiamento da ciência brasileira. É constituído não por tributos federais, mas sim, majoritariamente, por contribuições de empresas exploradoras ou concessionárias de diversas atividades econômicas, como petróleo, energia, transporte e recursos hídricos, por exemplo. É dinheiro “carimbado” para ciência e inovação.

Também no início de junho, o governo cortou R$ 1,6 bilhão (7,2%) do orçamento das universidades e institutos federais, que, então, correm risco enorme de não fecharem as contas de 2022. Em 2019, o orçamento discricionário dessas instituições foi de R$ 6,2 bilhões; na lei orçamentária de 2022, de R$ 5,3 bilhões; e, agora, com o corte de R$ 1,6 bilhão, restarão a elas R$ 4,9 bilhões.

Sob Bolsonaro, o Brasil do conhecimento científico se esvai. Custará caro reconstituí-lo.

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PROFESSOR DE ECONOMIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS, PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA LOCAL, É SECRETÁRIO EXECUTIVO DA INICIATIVA PARA A CIÊNCIA E TECNOLOGIA NO PARLAMENTO (ICTP)