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Opinião|Como melhorar o ambiente de negócios

Não se pode ignorar este fator psicológico relevante ao examinar a questão do investimento

Atualização:

Sabemos todos que no Brasil são prioridades imediatas e urgentes a volta do crescimento econômico e a queda do desemprego. Os dados do primeiro trimestre, porém, não são encorajadores do ponto de vista do setor privado.

O retorno da confiança no governo e o melhor desempenho da economia passam pela aprovação no Congresso de reformas estruturais, em especial a da Previdência Social, que ajudará a estancar a sangria do déficit público, e pela reforma tributária, que reduzirá o custo Brasil para o setor produtivo. Caso sejam aprovadas, o Ministério da Economia poderá liberar medidas para a abertura da economia, para a desburocratização e para a negociação de acordos comerciais com terceiros países para fazer crescer o comércio exterior e incentivar a retomada dos investimentos públicos e privados.

Neste contexto, não se pode ignorar também um fator psicológico muito relevante quando se examina a questão do investimento: o ambiente de negócios. Nesse sentido, a credibilidade dos contratos e a segurança jurídica das regras para a correta implementação das transações comerciais e financeiras são elementos que aqui ainda precisam ser aperfeiçoados para a volta sustentável dos investimentos das empresas nacionais e, sobretudo, internacionais. A corrupção e o descumprimento de compromissos assumidos devem ser enfrentados e a força da lei deve prevalecer sobre os interesses de grupos ou corporações.

Poderiam ser lembrados aqui vários exemplos, alguns dos quais vieram a público, para tornar concretos os comentários sobre a necessidade de melhoria do ambiente de negócios no Brasil.

Por seu volume, importância e visibilidade, poderia ser lembrado o conflito em curso sobre a segunda maior operação comercial que ocorreu no Brasil, envolvendo a aquisição, da ordem de R$ 16 bilhões, de uma empresa brasileira por um grupo internacional – a primeira foi a disputa entre o Grupo Pão de Açúcar e a empresa francesa Casino.

Os problemas surgiram nas tratativas de aquisição da empresa de celulose Eldorado, pertencente à J&F, pela Paper Excellence (PE), um dos maiores produtores de celulose do mundo. Segundo se noticiou, depois do acordo de leniência firmado com o Ministério Público por causa de problemas com a Lava Jato, a J&F decidiu vender a Eldorado, que cresceu favorecida por empréstimos do BNDES. A transação correu normalmente na primeira etapa, em 2017. A companhia PE, com sede na Holanda, pagou cerca de R$ 3,8 bilhões por 49% da Eldorado. O contrato previa opção de compra da totalidade da empresa brasileira, mais o passivo de dívidas. Para concluir a operação, a J&F deveria cooperar para a liberação de garantias do Grupo J&F em contratos financeiros da Eldorado até setembro do ano passado, após o que a PE perderia a opção de compra. A PE, percebendo a obstrução da J&F, buscou a Justiça brasileira e acionou o processo de arbitragem.

O que ocorreu a partir daí tem implicação com o ambiente de negócios e a segurança jurídica dos contratos, como mencionei anteriormente. Desde a assinatura do contrato, o cenário micro e macroeconômico teve uma forte influência sobre o valor da empresa brasileira: a desvalorização do dólar, o salto do Ebitda (74%) e o aumento significativo do preço da celulose no mercado internacional (41%). Diante disso, a J&F e a Eldorado alteraram seu posicionamento, atuando – segundo a PE – para impedir a conclusão da transação, apesar de todos os recursos para finalizá-la (cerca de R$ 11 bilhões) estarem disponíveis no Brasil. As divergências continuam a ampliar-se com a tentativa de emissão de US$ 500 milhões em bônus da Eldorado, com a oposição da PE e bloqueada pela Justiça.

O assunto está hoje submetido à arbitragem na Câmara de Comércio Internacional (ICC, na sigla em inglês), na Áustria e em Cingapura, para dirimir o conflito pelo descumprimento, segundo a visão da PE, de compromissos assumidos pela J&F, e levará ainda algum tempo para ser resolvido. Os recursos alocados para a compra da Eldorado em parte estão imobilizados e novos investimentos foram suspensos.

O custo envolvido com advogados, consultores e assessoria de imprensa para oferecer informações ao público em geral passa a representar um ônus adicional para empresas que queiram participar do mercado brasileiro.

O Brasil é um grande produtor e exportador de celulose e foi uma estratégia normal da empresa estrangeira decidir investir no País e ampliar seus negócios globais na América do Sul. Casos como este repercutem negativamente na mídia e prejudicam a credibilidade e o ambiente de negócios no Brasil. Hoje, grande parte dos conflitos empresariais, tanto como o que ocorre entre a J&F e a PE quanto em decorrência de problemas societários, é resolvida por arbitragem em razão da maior rapidez para obter uma solução. De qualquer forma, nada se resolve antes de dois a três anos. A demora para obter uma decisão na Justiça ou em cortes nacionais e internacionais de arbitragem contribui para aumentar a insegurança e a desconfiança de potenciais investidores.

Assuntos dessa natureza são de interesse do setor privado, mas o governo poder facilitar a rápida resolução dos conflitos por meio de negociações de acordos bilaterais de investimentos. Esses acordos regem disputas entre empresas privadas estrangeiras e os governos e companhias privadas, e representaram uma experiência bem-sucedida nos últimos anos no âmbito da Comunidade Europeia, por exemplo.

No final de 2018, o Banco Mundial divulgou um ranking de ambiente de negócios que avalia 190 países. Embora melhorando em relação a 2017, o levantamento coloca o Brasil na 109.ª posição e em último lugar entre os países-membros do Brics. Para alterar este quadro, será necessária uma mudança cultural e de atitude de parte do setor privado, que passa, inclusive, pela lisura no cumprimento do livremente acordado e na relação com o governo.

* RUBENS BARBOSA É PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE)

Opinião por RUBENS BARBOSA