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Opinião|Crise desafia o ensino superior privado

Só políticas públicas urgentes permitirão ao setor retomar seu papel propulsor

Atualização:

Responsável por mais de 75% das matrículas na educação superior, que garantem o acesso a mais de 6 milhões de estudantes brasileiros, as instituições de ensino superior (IES) privado enfrentam o momento mais desafiador da sua história, em meio a uma crise sanitária que já dura 15 meses e não mostra nenhuma perspectiva de melhora no curto prazo.

Confrontados por uma série de carências históricas da educação brasileira, universidades, faculdades e centros universitários privados têm sido afetados por uma drástica redução das matrículas nos cursos presenciais. A queda de 9,5% registrada de 2014 a 2019, segundo o Censo da Educação Superior, foi agravada com a pandemia pela redução sucessiva do número de calouros. A diminuição foi de 38% no segundo semestre de 2020 e de 25% no primeiro semestre de 2021, em comparação com os mesmos períodos dos anos anteriores, conforme levantamento do Instituto Semesp.

Mesmo o crescimento nas matrículas dos cursos à distância (90,7% de 2014 a 2019, segundo o Censo) não foi suficiente para compensar essa perda. Primeiramente, porque apenas 25% das instituições de ensino superior têm credenciamento para ofertar cursos nessa modalidade. Além disso, o crescimento alcançado não garante o acesso da população mais jovem, na faixa etária adequada. No ensino presencial, 60% dos alunos têm até 24 anos, enquanto no ensino à distância (EAD) apenas 25% estão nessa faixa etária. O EAD é fundamental, mas para inclusão das pessoas acima de 30 anos, historicamente excluídas do ensino superior.

Diante dessa realidade, a taxa de escolarização líquida, ou seja, o porcentual de jovens entre 18 e 24 anos matriculados no ensino superior do País, não passou de 18,1% em 2019, índice muito distante da meta de 33% estabelecida pelo Plano Nacional de Educação para 2024. E essa taxa só não é pior porque o denominador (população de jovens de 18 a 24 anos) diminuiu 2,5% em 2019.

Os microdados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2020 revelaram uma situação extremamente preocupante. Mais de 80% dos 5,7 milhões de inscritos tinham renda de até 1,5 salário mínimo e vinham de escola pública, ou eram bolsistas de escola particular. Ou seja, estudantes que precisam de auxílio financeiro para ingressar no ensino superior.

Nesse sentido, é fundamental a criação de políticas de estímulo ao ingresso da população mais jovem na educação superior por meio dos programas de financiamento estudantil. Atualmente, o ProUni dá acesso a 220 mil novos alunos por ano e o Fies, a menos de 60 mil, enquanto as IES públicas gratuitas recebem apenas 560 mil novos ingressantes anualmente. Os programas sociais de acesso nas instituições privadas e as vagas gratuitas nas públicas não são suficientes para atender nem a 15% da demanda de estudantes carentes que realizaram o Enem.

O EAD assíncrono não é a solução para a inclusão desses jovens. Essa parcela de alunos chega às instituições de ensino superior com muitas deficiências de aprendizagem, e o ensino sem o acompanhamento próximo de professores não resolve. Não é por outro motivo que a evasão no EAD é muito mais elevada: quase 7 pontos porcentuais acima do que é registrado no ensino presencial.

Simultaneamente às políticas de acesso, é imprescindível incentivar a transformação digital para ampliar as formas de entrega de conhecimento e possibilitar a revolução dos currículos, aumentando as possibilidades de escolha das trilhas percorridas pelos alunos, respeitando as suas individualidades. Embora a transformação digital seja o primeiro item da pauta nas universidades do mundo todo, o modelo regulatório atual impede que o ensino presencial combine momentos presenciais com aulas remotas e atividades assíncronas na sua integralidade, como foi permitido durante a pandemia.

Outra necessidade urgente é o estímulo às graduações tecnológicas, que são cursos de menor duração e vocacionados para o mercado de trabalho. No Brasil, apenas 8,4% dos alunos escolhem graduações tecnológicas nos cursos presenciais, enquanto em países como EUA, Alemanha e Coreia do Sul as graduações de curta duração e vocacionadas representam quase 50% das matrículas.

O esforço para enfrentar esses desafios se insere, igualmente, no objetivo de estimular e consolidar as redes de cooperação entre as IES brasileiras, como forma de melhorar e ampliar a oferta acadêmica aos alunos, e de tornar os serviços e as próprias instituições menos vulneráveis em contextos de crise, ampliando sua sustentabilidade.

O desenvolvimento da educação superior é o único caminho para que uma nação seja desenvolvida. Ele possibilita a formação dos indivíduos como cidadãos na sua plenitude e assegura a formação do capital humano fundamental para o progresso. E somente a adoção urgente de políticas públicas consistentes para o setor permitirá ao ensino superior privado do País superar os atuais desafios e retomar o seu papel propulsor.

PRESIDENTE DO SEMESP E DA UNIVERSIDADE SANTA CECÍLIA (UNISANTA)