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Jornalista, escritor e poeta, José Nêumanne escreve quinzenalmente na seção Espaço Aberto

É Bolsonaro a real fraude nas urnas eletrônicas

Presidente insiste na ideia da eleição fraudada porque sabe que ele próprio a encarna

Por José Neumanne
Atualização:

Só um débil mental ou um idiota total se submeteria ao vexame que o presidente da República protagonizou em sua live de 29 de julho sem ter certeza absoluta do que tinha a dizer. Mas ele não cumpriu a garantia de relatar provas de fraude nas urnas eletrônicas. E tentou disfarçar duas mentiras dizendo: “Não tem como comprovar que as eleições foram ou não fraudadas. Um crime se revela com vários indícios”. Nenhum sistema penal do mundo civilizado condena um réu sem culpa comprovada. A milenar presunção de inocência é expressa em latim in dubio pro reo (na dúvida, a favor do réu). Mesmo considerando sua crassa ignorância, nada o autoriza a substituir prova por indício, que não são sinônimos em língua alguma.

A falácia patética, se não fosse patológica, foi cometida em flagrante delito de uso do espaço público (o palácio) e divulgada por rede oficial de televisão e rádio, cujo funcionamento revela estelionato do chefe do Executivo na conquista do eleitorado. A ex-TV Lula, tornada TV Jair, foi jurada de extinção pelo candidato à Presidência no último pleito como uma das consequências de seu lema mais eficaz: “Mais Brasil e menos Brasília”. A mera transmissão comprova a falsa promessa eleitoral. Mas ninguém pode dizer que o chefe do desgoverno tenha economizado. Muitos outros crimes cometeu na stand up comedy por ele encenada, agora com o evidente objetivo de enganar mais eleitores na disputa de 2022.

Também não se pode dizer que tenha dispensado cúmplices. Desta vez um estreante entre os habituais coadjuvantes do show mambembe, chamado por ele de “analista Eduardo”, coronel de Artilharia (portanto, seu coleguinha na “modalidade de matar”, como define a arma) da reserva Eduardo Gomes da Silva, disse que “as urnas têm problemas e precisam de melhorias”. Fê-lo baseado na experiência que teve de espionar a fidelidade de parlamentares governistas em votações e redes sociais para informar ao seu chefe, o general Luiz Eduardo Ramos, se mereciam que fossem liberadas as emendas orçamentárias que eles exigiam.

“Sem eleições limpas e democráticas, não haverá eleição. (…) Nós exigimos juntos, pois vocês são de fato o meu exército”, proclamou o próprio Jair Bolsonaro no vídeo para a chamada das manifestações convocadas para domingo 1.º de agosto, em apoio ao voto impresso. Por isso, no 6.º Seminário Caminhos Contra a Corrupção, do Instituto Não Aceito Corrupção, o ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior lhe atribuiu “a prática de homicídios comissivos em série”, ou seja por ação direta, não por omissão. O presidente da República, aliás, cometeu também o mais grave dos crimes de não fazer o que deveria. De acordo com o filósofo e sociólogo José Augusto Guilhon de Albuquerque, em entrevista publicada no Blog do Nêumanne no portal do Estadão, mesmo tendo sido eleito para isso, não governa. Dever também não cumprido pelos aliados do Centrão, que, segundo o entrevistado, só saqueiam o erário.

A narrativa mentirosa com a falsa reivindicação do voto impresso (de interesse exclusivo de milícias) é pretexto para autogolpe similar ao ensaiado por Donald Trump nos Estados Unidos para impedir a posse do vitorioso na eleição presidencial. E faz parte de um projeto mais amplo de extermínio de instituições democráticas e conquistas da civilização, objetivos do neonazismo e do neofascismo, expostos em sua pose gaiata ao lado de Beatrix Storch, neta de um ex-ministro de Adolf Hitler no 3.º Reich.

Segundo o Instituto Socioambiental, em dois anos e meio de seu desgoverno a devastação da Amazônia Legal aumentou 48,31%, com unidades de conservação e terras indígenas afetadas. Ele resistiu a demitir o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, flagrado em participação em furto de madeira nobre do bioma. A demolição da instrução pública, iniciada pelo bancário Abraham Weintraub e completada pelo pastor Milton Ribeiro, tem o mesmo objetivo de volta à barbárie. Assim como a negativa de impedir o incêndio do depósito da Cinemateca Brasileira na Vila Leopoldina, se tivesse entregado a gestão da instituição cultural ao Estado de São Paulo. O pior de sua obra de exterminador da vida e do bem é a sabotagem criminosa às medidas restritivas do contágio da pandemia (isolamento e uso de máscara), à imunização salvadora, e a prescrição de charlatão de remédios ineficazes para reduzir a mortandade.

O vice-presidente da Câmara dos Deputados, Marcelo Ramos, tem razão ao escrever no Twitter: “Já passou da hora do STF, Câmara e Senado colocarem um limite a postura golpista e conspiratória do Presidente da República. Se não fizeram isso agora, quando decidirem fazer, será tarde demais. Todos que se acham protegidos hoje podem ser as próximas vítimas”.

De fato, a hora é já. E, por enquanto, só a Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid, no Senado, e o Tribunal de Contas da União parecem ter atentado para a gravidade desta hora. Bolsonaro tem razão: a democracia e a civilização são ameaçadas pela real fraude eleitoral, que ele encarna, ao trair os cidadãos que o sufragaram pelo fim da corrupção.

JORNALISTA, POETA E ESCRITOR

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