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Opinião|É preciso distinguir ineficácia pontual de inoperância planejada!

Questão central agora é avaliar descumprimento contratual rotineiro no setor de saúde privado.

Atualização:

Interesses laterais confundem a população geral na interpretação, agora jurídica, de ações na condução pandêmica, especialmente no que tange aos cuidados médicos, notadamente acerca de protocolos terapêuticos utilizados por serviços de operadoras da área de saúde, os quais se estabeleciam por suposições balizadas pelo conhecimento científico sobre o mecanismo de funcionamento de várias drogas.

Então, sem qualquer certeza, alguns profissionais desenvolveram álgebras medicamentosas pretensamente salvadoras, suportando suas afirmações no que era conhecido sobre as habilidades do novo coronavírus e a possível, que entendiam como certa, competência de alguns fármacos no bloqueio de uma ou mais fases na sequência do desastroso caminho viral.

Não se discute o equívoco daqueles que propagaram e encamparam suas deduções, mas diante do apocalipse anunciado e a coerência dos argumentos que sugeriam a ação protetora de alguns medicamentos, bastou a velocidade de nossas democráticas, e sem filtros, redes sociais para tudo parecer salvador, tornando muitos erros perdoáveis na debutante pandemia.

O que devemos trazer à baila não é o uso empírico dos kits anticovid-19 ou o lamentável erro do aconselhamento público inicial na orientação de manter o doente em sua residência até o limite de sua resistência respiratória. Precisamos, agora, é compreender as ações que desdenharam a vida, mesmo à luz das decifrações científicas, e em qual proporção já são utilizadas regularmente para reduzir ou eliminar gastos em outras doenças graves.

Protagonizar esta discussão com vieses ideológicos, seja em CPIs ou debates públicos, apequena a dimensão da catástrofe e esconde a vulnerabilidade de clientes diante de boa parte dos planos de saúde, especialmente aqueles com rede própria de atendimentos, o que proporciona indagações legais para muito além da calamidade ainda em curso.

É quase certo que os tais kits não salvaram, mas também é muito provável que não tenham promovido extensa lista de óbitos (ainda que saibamos de casos pontuais). De outro lado, tem muita importância saber a quem foi negado e quem negou internação sob a hipotética égide protetiva destes kits e quantos agonizaram sem ar aguardando as qualidades inexistentes dos fármacos prescritos.

É injusta a culpabilização sumária daqueles que prescreveram, ou permitiram, estas “divagações terapêuticas”, enquanto não privaram seus pacientes das vanguardas que consensos científicos demonstravam ter maior efetividade, tais quais a oferta precoce de oxigênio, corticoides em fases específicas da evolução e o uso de anticoagulantes balizados em parâmetros laboratoriais.

É oportuna a citação do uso de nitrato sublingual nos atendimentos de enfartados nas emergências médicas, assim como no manejo ambulatorial de pacientes portadores de doença coronariana, tendo sido aceito por muitos anos como redentor se utilizado no início da dor precordial, no que se pensava (muitos ainda admitem) impedir ou minimizar a deflagração do processo de infarto.

Após décadas, vários estudos concluíram que o medicamento é ineficaz para aumentar as chances de sobrevivência do enfartado, com o seu uso sendo justificado pelo alívio gerado com o arrefecimento da dor, dado por sua atividade vasodilatadora. Efetivo no desfecho final ou não, o fato é que conforta e nenhum serviço exclui essa classe farmacológica de seus protocolos.

Então, a questão central a ser julgada é a omissão, o descuido planejado ou disfarçado em condutas ineficazes, atitudes elaboradas para mitigar prejuízos ou ampliar ganhos, e, mais ainda, em qual dimensão faz parte do modus operandi fisiológico de muitas empresas deste setor.

Vemos, agora, médicos de extenso currículo acadêmico sendo inquiridos em suas (provavelmente) equivocadas convicções, quando deveriam ser questionados acerca do quanto subtraíram de seus protocolos a assistência hospitalar precoce, com maquinários e investigações laboratoriais e radiológicas providenciais e frequentes.

Ainda em mesmo cenário, é deveras importante que saibamos em qual extensão foram rendidos às vontades de gestores, aqueles que, enxergando imensa redução de seus dividendos, desesperavam-se à procura de malabarismos para conter os gastos hospitalares.

Este movimento avançaria para questões urgentes e atuais, tais quais as exclusões contratuais em planos de saúde, entre elas a que dificulta (eventualmente impede) o tratamento cirúrgico da obesidade grave, que sob qualquer observação é conduta protetiva contra as derivações nefastas e perenes do acúmulo de peso, como diabetes, hipertensão arterial e tantas outras.

Quem sabe possamos sentenciar se as instituições deste setor pontuam (ou não) seus profissionais médicos na inversa proporção do número de exames solicitados ou se modulam (ou não) seus serviços de emergência para conter o uso de injetáveis e investigações diagnósticas para derreter seus custos e não honrar seus tratos.

É bem mais do que julgar ineficácia de condutas coadjuvantes pontuais e temporárias, é avaliar o descumprimento contratual rotineiro de contratado para o contratante!

* DOUTOR EM ENDOCRINOLOGIA PELA FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP)

Opinião por Antonio Carlos do Nascimento