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Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e ex-embaixador do Brasil em Londres (1994-99) e em Washington (1999-2004), Rubens Barbosa escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Eclusas para Itaipu

Construção prevista no tratado original poderá transformar os eixos das Hidrovias Paraná-Paraguai no projeto síntese da integração regional.

Atualização:

A visita do presidente do Paraguai, Mario Abdo Benítez, ao Brasil em novembro passado abriu novas possibilidades de cooperação entre Assunção e Brasília, a partir de Itaipu, o maior empreendimento entre os dois países. Foi discutida a revisão do Anexo “C” do Tratado de Itaipu, que trata do preço, da comercialização e da disponibilidade da energia. Além de avançar na questão do preço da energia gerada pela binacional a partir de 2023, há um ponto sensível que está previsto em outro anexo do Tratado de Itaipu, o “B” (não o “C”), que é a construção de um sistema de eclusas para permitir o fluxo de transporte fluvial sem interrupção pela Hidrovia Paraná-Paraguai e que tem potencial para amalgamar um acordo de convergência entre os países. Em encontro bilateral de ontem na fronteira, os dois presidentes devem ter conversado sobre Itaipu.

O eixo das hidrovias dos Rio Paraguai e Paraná integra partes do Brasil, da Argentina, da Bolívia, do Paraguai e do Uruguai em torno das bacias hidrográficas do Paraguai, Paraná e Uruguai, todos afluentes da grande bacia hidrográfica do Prata. A densidade populacional é baixa (29 habitantes/km²), exceto para os departamentos de Assunção e Central, no Paraguai. Com 20% da superfície da América do Sul (4.036.541 km²), com mais de 30% do PIB, essa região é a segunda maior no Cone Sul e a terceira com mais população (cerca de 29% do total do continente). O Rio Paraná é o mais importante da Bacia do Prata não só pelo seu grande potencial hidrelétrico, mas pelos seus 2.800 km de extensão quase inteiramente navegáveis. A principal interrupção é onde está localizada a Usina Hidrelétrica de Itaipu, e a execução de um sistema de eclusas nas vias de navegação nesse local possibilitará sua completa navegabilidade, tornando viável, inclusive, a interligação das Hidrovias Tietê-Paraná e Paraná-Prata.

A construção do sistema de eclusas e a ampliação de portos, águas acima e abaixo do reservatório de Itaipu, associadas aos sistemas de transbordo de contêineres e cargas de grão sólido e líquido de transporte fluvial até caminhões de carga, e vice-versa, conectados por uma estrada pavimentadas de grande capacidade de carga e ferrovias, serão um conjunto dos empreendimentos (transposição + polo intermodal + ferrovia) que, por efeito sinérgico, trará para cada unidade um benefício que certamente superará o ganho estimado, se fosse adotado somente um modal.

Os benefícios são evidentes para a economia como um todo e permitirão alcançar três objetivos: o desenvolvimento dos transportes ferroviário e hidroviário interior, com significativo aumento do transporte de produtos agrícolas e minerais; oferta, por meio de concentração (economias de escalas e sinergias), de melhores serviços logísticos em termos de eficácia/eficiência, com expressiva redução do custo do transporte de cargas; e melhor utilização do uso do território, excluindo áreas urbanas com utilizações impróprias ou de elevado impacto ambiental, como aquelas ligadas ao transporte de cargas, concentrando-as em âmbitos externos apropriados.

Em vista da revisão do Anexo “C” do Tratado de Itaipu em 2023, quando o pagamento da dívida estará integralmente amortizado, a empresa binacional estaria em condições de absorver o custo extra da construção das eclusas, que poderia operar a preço de custo ou próximo dele, com impacto muito reduzido sobre a tarifa.

Esses elementos econômicos e comerciais deveriam servir de estímulo para o aproveitamento das potencialidades hidroviárias sul-americanas. Mas não é tudo. Soma-se a isso a possibilidade de mitigar uma das maiores preocupações da humanidade, a emissão de gases poluentes e geradores de efeito estufa (GEEs), que são considerados por diversos estudos como responsáveis pelo avanço do aquecimento global e, por isso, atualmente representando alta relevância nos acordos internacionais que preveem o avanço na regulamentação da redução dos GEEs, inclusive, já estipulando a redução compulsória dessas emissões.

Um eventual incremento da participação do modal hidroviário na matriz de transportes poderia capturar benefícios para o meio ambiente: redução de acidentes rodoviários, redução da emissão de gases poluentes e redução do consumo de combustível. Segundo publicações técnicas, o modal rodoviário é o responsável pela maior taxa de emissão de CO2, com 116 kg de CO2 emitidos para cada 1 mil Toneladas por Quilômetro Útil (TKU) movimentado. Por outro lado, assumindo a possibilidade de uma maior participação do modal hidroviário na matriz de transportes, as emissões de CO2 podem ser altamente representativas de redução, trazendo a possibilidade de uma monetização desta redução de emissão de gases, considerando o mercado de crédito de carbono, além, naturalmente, de contribuir para o principal: a melhoria do equilíbrio do clima.

Para facilitar a captação de investimentos para o desenvolvimento regional ao longo dos rios e melhorar a governabilidade, deveria ser também examinada a criação de uma autoridade internacional para a hidrovia, nos moldes da existente no Danúbio e no Ródano, na Europa.

A construção das eclusas, prevista no tratado original de Itaipu, poderá transformar os eixos das Hidrovias Paraná-Paraguai no projeto síntese da integração regional.

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PRESIDENTE DO IRICE, É MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS

Opinião por Rubens Barbosa
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