EXCLUSIVO PARA ASSINANTES
Foto do(a) coluna

Economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP, consultor econômico e de ensino superior, Roberto Macedo escreve na primeira e na terceira quinta-feira do mês na seção Espaço Aberto

Opinião|Em que sentido o Congresso é Nacional?

Termo vem mais da presença de parlamentares de todos os rincões do que da preocupação com o progresso da Nação

Atualização:

Preocupado com o péssimo estado da economia e sem ver o Congresso Nacional nem sequer debater o assunto, fui à Constituição para verificar a responsabilidade dele pelo tema. No preâmbulo da Constituição é dito que ela institui um Estado Democrático destinado, entre outros objetivos, a assegurar o bem-estar e o desenvolvimento, o que é impossível sem uma economia fortalecida.

O artigo 44 estabelece que o Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, e o artigo 48 diz que lhe cabe dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente, entre outras, planos e programas nacionais, regionais e setoriais de desenvolvimento. Ou seja, a economia também deveria receber a atenção dele. E, como o presidente Jair Bolsonaro só tem o plano de se reeleger, o Congresso poderia articular um plano de desenvolvimento.

Por que não faz isso nem discute o assunto? Ora, ele é constituído por deputados e senadores originários de um sistema frágil de representação política, com partidos demais, a maioria sem alinhamento ideológico claramente identificável. Ademais, o sistema proporcional, adotado para a eleição de deputados, em que os candidatos saem pelo território das unidades federativas à cata de votos, aumenta os custos das campanhas e facilita a eleição de representantes de grupos de interesse, como de funcionários públicos e de setores produtivos, gerando bancadas como as desses funcionários, do setor agropecuário, de evangélicos e até aberrações como a “bancada da bala”. Em escala menor, o mesmo ocorre no Senado.

Além disso, os cidadãos em geral não se interessam por uma participação política mais ativa, seja pessoalmente, via partidos ou outras organizações, e assim não há uma efetiva cobrança do desempenho parlamentar. O caso dos deputados é típico. Defendem, sobretudo, seus próprios interesses, em particular o de reeleição, com o que privilegiam medidas como as emendas parlamentares, voltadas para alimentar seus currais eleitorais municipais. Além disso, defendem o interesse de grupos, em particular daqueles a que pertencem e os que os apoiaram ou apoiariam como candidatos, numa eleição passada ou futura.

Neste contexto, de deputados que não são cobrados pelo que fazem e que nem se dispõem voluntariamente a um relatório, há na atmosfera política algo como deputados cometas, que rapidamente passam a cada quatro anos à cata de votos. O mesmo vale para senadores focados em reeleições, cometas que surgem a cada oito anos.

Voltando à economia e seu péssimo estado, ela passa por três fragilidades que estão a exigir tratamento intensivo. Hoje o IBGE deve divulgar o Produto Interno Bruto (PIB) do terceiro trimestre deste ano, prevendo uma taxa muito pequena, próxima de 0,1%, relativamente ao segundo trimestre. Quanto a isso, vi previsões de três instituições que acumularam prestígio ao fazê-las, e duas delas contemplam até um sinal negativo para esse número. Como a taxa do segundo trimestre foi negativa, se isso acontecer, será o início de mais uma recessão, definida pelos economistas como um mínimo de dois trimestres consecutivos de taxas negativas do PIB.

E não há como se iludir com a previsão de um crescimento do PIB entre 2020 e 2021 a uma taxa próxima de 5%, conforme previsões do noticiário, como a divulgada na segunda-feira passada pelo boletim Focus, do Banco Central, que capta estimativas de analistas do mercado financeiro e que ficou em 4,8%. Essa previsão se decompõe em duas partes: uma próxima de 3,6%, que corresponderia ao resultado do PIB em 2021, mesmo que não crescesse nada dentro do ano – resultado que vem da comparação deste PIB com o que caiu 4,1% em 2020, saindo desse buraco com uma recuperação em V. Ou seja, seria uma comparação do ponto em que este V terminou, no último trimestre de 2020, com a média vertical deste V, o que dá o valor de 3,6%. A outra parte, de 1,2%, decorreria do crescimento bem menor que se prevê para o desempenho do PIB dentro de 2021.

Ademais, qualquer que seja o resultado do PIB do terceiro trimestre, a economia permanecerá num buraco mais longo e de impacto mais forte, o de uma depressão, na qual caiu em 2014 e até hoje não voltou ao PIB que então tinha.

E, completando o trágico quadro, a economia está, também, em estagnação, pois desde 1980 vem crescendo abaixo do seu potencial, o que define uma situação desse tipo. Acho que os leitores concordariam que, com uma boa arrumação, a economia poderia crescer muito mais.

Alguém já viu o Congresso Nacional discutindo este quadro? Com as características do sistema político que elege os parlamentares já apontadas acima, ele não cumpre o que a Constituição estabelece quanto a um dos seus deveres, o de buscar o desenvolvimento do País. Assim, o Nacional que adjetiva o Congresso vem mais da presença de parlamentares de todos os rincões nacionais e, salvo raríssimas exceções, sem maior preocupação com o desenvolvimento da Nação.

*

ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), PROFESSOR SÊNIOR DA USP, É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR

Opinião por Roberto Macedo
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.