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Opinião|Essa é a história da sua desgraça

Contra o povo valem todos os argumentos. Pobre não tem advogado. Nem imprensa mais

Atualização:

Menos pela indignação que ainda pulsa quando o cinismo é de calibre de agredir, é de um tédio absoluto acompanhar o debate do drama brasileiro.

Dá pra soltar o Lula e a bandidocracia sem soltar o PCC? Se não der, paciência, solte-se também o PCC. O essencial para a felicidade geral da Nação, e especialmente para o cidadão desarmado dos morros, com ou sem bandido na rua, é reafirmar a pureza do “estado de direito”.

Pois é…

Daí pra baixo são de bocejar os articulistas que espinafram “nos outros” os mesmíssimos delírios que são seus em textos em que a única variação – que não modifica nem o sentido nem a pertinência da crítica – é se o apedrejado nas primeiras linhas é o bolsonarismo ou o lulismo.

É de encher de pena o esforço acaciano dos bem-intencionados que insistem em demonstrar racionalmente, tintim por tintim, por que são erros os “erros” em que há centenas de anos insiste a minoria que no-los impõe porque eles lhe enchem indecentemente os bolsos de dinheiro.

É de doer o País moribundo, a barriga roncando, parado à espera de que terminem os intermináveis argumentos dos argumentadores – os “excelentíssimos” e os nem tanto – que se condoem e enchem de erudição para citar senões se o abuso é de otoridade contra otoridade. Contra o povo valem todos. Pobre não tem advogado. E nem imprensa mais. Inventada para advogar por ele, hoje ela fala pela boca da classe média que sobrou e não é classe, é casta. Aquela que toda junta não enche a Praça dos Três Poderes, mas come metade do PIB não por merecimento, mas pela força das únicas leis draconianamente exigidas neste país, matem a quem matarem.

O problema do Brasil, o único problema do Brasil do qual todos os outros “emanam”, não é de lei, é de imposição da lei pela ausência da qual, a cada crise, a cada namoro com a morte, descambamos para a legisferância hiperbólica, saímos adjetivando crimes, atravancando o País que as segue com mais uma batelada de leis que nunca serão exigidas da privilegiatura, tornando perenes as cirurgias keynesianas, tentando fazer do “tripé” de breques o acelerador da economia… até o próximo forró do STF.

Quem impõe “as soluções” não acredita nelas. Quem as sofre, menos ainda. E lá fora a guerra come carne de criança.

Esquerda? Direita? Centro? Tudo de novo!

Título I. Parágrafo Único (e nessa altura já lá vão sete, fora o preâmbulo, pois que a “Constituição dos Miseráveis” mente até na descrição de si mesma). “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente nos termos desta Constituição.” Dito isso, dane-se o povo, para não usarmos aquela outra expressão mais chula que subiu à sua cabeça ao ler este trecho e descreve muito mais fielmente o que tem sido feito com ele. Daí pra frente é o Estado discutindo com o Estado, o Estado disputando com o Estado, o Estado “fiscalizando” o Estado, o Estado perdoando o Estado.

O povo não existe, nem para a esquerda, nem para a direita nem para o centro, imprensa incluída. A única diferença entre o lulismo e o bolsonarismo é que no bolsonarismo a imprensa mantém aberto um olho. O resto todo cedo ou tarde se acerta ou pela comunhão de rabos presos, ou porque continua sendo ponto pacífico que o povo, o eterno tutelado, é incapaz de procurar sua própria felicidade. Está aí, debaixo de bala e desarmado, porque “vota mal”. Até o povo para quem “povo” é sempre “o outro” acha isso do povo: “Nós somos um perigo para a democracia”...

Tratemos do que é sério com quem é sério, pois. De especialista para especialista, diga lá: quem invadiu o poder de quem? Quem “agiu por inspiração política”? Quem teve ou não uma “motivação razoável” para agir contra o ladrão com mandato? Que lado ganhou? Que lado perdeu?

E a indisciplina fiscal, é ou não é função do “ente” A ter recebido garantias para a gastança do “ente” B? Qual a “dosimetria” correta a ser aplicada pelo funcionário do Estado indemissível A contra o funcionário do Estado indemissível B para que ele se comporte bem da próxima vez (já que sempre, eternamente, por cláusula pétrea da Constituição que o povo não ratificou, faça ele o que fizer haverá sempre uma próxima vez)? E se a “dose” sugerida voltar-se ali adiante contra os professores? Cuidado com o que diz, veja lá! No máximo, meios pensamentos; no máximo, meias palavras...

“Que cada poder cumpra com esmero o seu papel”? Comecemos, então, pelo primeiro do qual todos os outros não passam de “emanações”. Só o eleitor, o povo investido de poder político, tem legitimidade para agir “por inspiração política” sem ter de dar justificativas para isso. É um direito embutido no próprio conceito de “representação”. Basta que se sinta mal representado, sem mais, para que o ato político de cassar o mandato do seu representante seja indiscutivelmente legítimo numa “democracia representativa”.

Mas delegue esse poder a qualquer outro e a guerra suja imediatamente se instala. Essa é a história do Brasil. Essa é a história da sua desgraça, leitor.

Amarre-se cada representante aos seus representados com eleições distritais puras. Arme-se a mão deles antes, durante e depois das eleições para dar e tirar mandatos, recusar leis que soltam bandidos, ter as iniciativas de pautar compulsoriamente os Legislativos e despir a toga de quem não merece vesti-la desde lá da primeira instância. Quantos dos ministros que você conhece chegariam às portas do STF envergando uma? Quantos membros da bandidocracia ainda estariam de pé? “Mais Brasil menos Brasília” é só repartição de dinheiro “deles” com “eles” ou é representante fiscalizando representado e decidindo ele mesmo o que acha justo ceder ao coletivo do que ganhar suando? Disciplina fiscal consegue-se só impedindo um ente de governo de avalizar a gastança dos outros ou, como ocorre onde ela existe, exigindo autorização direta do povo para cada obra, cada despesa que vai violentá-la?

Você decide. Até porque o que o povo realmente decide acontece.

*JORNALISTA, ESCREVE EM WWW.VESPEIRO.COM

Opinião por Fernão Lara Mesquita