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Dom Odilo Scherer, arcebispo metropolitano de São Paulo, escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Faleceu Dom Cláudio

Foi expressiva, sem dúvida, a contribuição do cardeal arcebispo emérito de São Paulo para a Igreja e a sociedade.

Atualização:

No dia 4 de julho morreu o cardeal Cláudio Hummes, arcebispo emérito de São Paulo e prefeito emérito da Congregação para o Clero. Faleceu como religioso franciscano, despojado, preocupado com os pobres até o fim de sua vida. Homem de profunda fé, quis enfrentar o trecho derradeiro de seu caminhar por esta vida de modo lúcido e proativo, oferecendo a dor e suas limitações pela paz no mundo. Todos os dias, participava da celebração da santa missa, mesmo quando já não podia mais celebrar sozinho. Não foi diferente na manhã do seu falecimento.

Dom Cláudio deixou um vasto legado de serviços prestados à Igreja e à sociedade. Com formação acadêmica na área de humanidades, doutorou-se em Filosofia, foi professor na PUC de Porto Alegre e ministro provincial dos franciscanos. Por mais de 20 anos, a partir de 1975, foi bispo diocesano de Santo André, no ABC paulista, no período das lutas operárias e sindicais, reprimidas pelo regime militar, às quais deu guarida na Igreja. Foi membro ativo da Conferência Episcopal, participando de diversas comissões e conselhos pastorais.

Nomeado arcebispo de Fortaleza pelo papa São João Paulo II em 1996, Dom Cláudio iniciou sua missão com todo entusiasmo, como sucessor de outro franciscano: o cardeal Aloísio Lorscheider. Menos de dois anos depois, o mesmo papa o enviou de volta para São Paulo para a missão de arcebispo metropolitano, sucedendo ao também cardeal franciscano Paulo Evaristo Arns. Dom Cláudio assumiu a Arquidiocese de São Paulo com a complexidade de seus desafios e possibilidades, acompanhando com atenção os diversos setores da vida e ação da Igreja na metrópole. Teve atenção especial pela causa dos pobres e desempregados, pela superação da violência e o diálogo social e ecumênico. Para dinamizar a ação social e caritativa da Igreja, promoveu o Seminário da Caridade para a reflexão sobre o envolvimento dos católicos e suas organizações na promoção da justiça social, a assistência e a caridade.

Ele também foi um exímio administrador e incentivou a renovação pastoral e missionária da Arquidiocese de São Paulo. Um dos primeiros desafios que o novo arcebispo teve de enfrentar foi o restauro da Catedral da Sé, interditada às vésperas da celebração do grande Jubileu do 3.º milênio do nascimento de Jesus Cristo, por problemas de segurança.

Como membro do Colégio Cardinalício, desde 2001, Dom Cláudio foi ativo conselheiro do papa em diversos dicastérios da Cúria Romana. Em 2006, Bento XVI o quis como seu conselheiro e colaborador próximo na Congregação para o Clero, encarregando-o de seguir os assuntos relativos ao clero católico na Igreja inteira.

Retornando a São Paulo, após atingir a idade da renúncia ao seu serviço oficial na Cúria, mas ainda cheio de energia e idealismo, Dom Cláudio aceitou com entusiasmo o convite da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) para coordenar a Comissão Episcopal para a Amazônia. Na ocasião, ele revelou que desde a juventude cultivava o sonho de ser missionário na Amazônia, que agora podia realizar. No seu novo encargo, ele visitou cada uma das dioceses e prelazias da Amazônia brasileira, ouviu os bispos, autoridades, missionários e o povo e deu-se conta mais claramente de suas angústias e das limitações para uma ação mais incisiva da Igreja diante dos muitos desafios humanos, sociais e ambientais.

Como bom franciscano, foi especialmente sensível aos riscos que o conjunto da vida humana e da natureza estava enfrentando. De suas incansáveis visitas e infindáveis reuniões surgiram diversas iniciativas para atrair mais a atenção do Brasil e do mundo para as realidades amazônicas, que envolvem também outros nove países. Logo nasceu a Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam), foi convocado o Sínodo para a Amazônia e criada a Conferência Eclesial da Amazônia (Ceama). E o papa Francisco dedicou à Amazônia o documento pós-sinodal Querida Amazônia. Não é exagero dizer que Dom Cláudio foi um grande amigo e benfeitor da Amazônia.

Com o avanço da enfermidade, que o inquietava há alguns anos, ele renunciou a todos os encargos para se dedicar aos cuidados da saúde. Consciente do seu estado, ele lutou e assumiu com fé as limitações da vida neste mundo, preparando-se para o encontro final com Deus. Mesmo contando com a possibilidade de receber cuidados médicos especiais em hospital, ele escolheu passar seus derradeiros dias na casa em que residia, assistido por profissionais da saúde e pelo carinho das pessoas que o acompanhavam de perto.

Foi expressiva, sem dúvida, a contribuição do cardeal falecido para a Igreja e a sociedade. O papa Francisco o tinha como amigo próximo e não poupou manifestações públicas de apreço por ele. Homem de fé e coragem, de idealismo envolvente, ele transmitia entusiasmo e abria horizontes. Era capaz de lançar ideias novas, indo além do politicamente correto, desafiando as pessoas a saírem da sua zona de conforto. Agora, seu corpo repousa na cripta da Catedral da Sé. Que descanse em paz.

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CARDEAL-ARCEBISPO DE SÃO PAULO

Opinião por Dom Odilo Pedro Scherer
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