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Opinião|França e Brasil,120 anos sem solidão

Mesmo diante da pandemia, companhias francesas renovaram a sua confiança no País

Atualização:

Vivemos um tempo de muito “som e fúria”, parafraseando o grande bardo de Stratford-upon-Avon. Só isso para explicar as seguidas tentativas de eclipsar o significado do dia 28 de junho de 2019, quando o Mercosul e a União Europeia assinaram o maior acordo entre blocos econômicos do mundo. Para o Brasil e a França, que mantêm contatos comerciais desde 1555, foi o corolário de um relacionamento que soube superar os conflitos – e não foram poucos em quase meio milênio de amizade – para se transformar numa aliança formal por meio da Parceria Estratégica Franco-Brasileira, que dura 12 anos e já deu como fruto o submarino nuclear.

O acordo entre o Mercosul e a União Europeia une um mercado de 780 milhões de consumidores e 25% da economia mundial. Levou aproximadamente 20 anos sendo costurado pela diplomacia de 32 diferentes países. O acerto eliminará tarifas de cerca de 90% dos produtos comercializados entre os blocos num prazo de 15 anos. Alguém, em sã consciência, pode imaginar que cronistas cheios de “som e fúria” podem interromper esse verdadeiro trem-bala da História?

Fernand Braudel, o historiador francês que foi um dos professores convidados a inaugurar a Universidade de São Paulo, em 1935, ficou célebre por considerar em seus estudos o “tempo longo” na historiografia. Por debaixo dos acontecimentos intempestivos do dia a dia, há uma base estrutural que se move lentamente e com cuidado. Não é feita do dia para a noite, nem termina do dia para a noite. Desse sedimento é feita a plataforma da relação franco-brasileira.

Não poderia ter sido mais auspiciosa a entrada da Câmara de Comércio Internacional França-Brasil (CCIFB) nesse relacionamento em 1900, exatamente 120 anos atrás. Foi a primeira entidade desse tipo a se estabelecer formalmente em território brasileiro. Como um símbolo do que acontecia no Velho Continente durante a célebre Exposição Universal em Paris, que reuniu 50 milhões de pessoas para celebrar as conquistas tecnológicas da humanidade.

Hoje o Brasil é o principal parceiro comercial da França na América Latina, a qual se constitui como um importante aliado dos brasileiros nessa área de atividade econômica. Em 2019, a corrente de comércio bilateral superou US$ 6 bilhões. O país europeu foi o 36.º principal cliente dos produtos brasileiros e o 24.º principal fornecedor. A presença de empresas francesas na economia da maior nação sul-americana é importante em ampla gama de setores produtivos.

Há 890 empresas com ao menos 10% de capital acionário francês instaladas no Brasil, dentre as quais 38 do índice que congrega as 40 maiores companhias abertas cotadas na Bolsa de Paris (CAC 40). O estoque de investimentos franceses no mercado brasileiro está estimado em US$ 34 bilhões, abrangendo setores como os de comércio varejista, eletricidade, telecomunicações, automóveis, alimentos, metalurgia e tecnologia da informação.

Para destacar um setor, por exemplo, os investimentos franceses na área de energia elétrica e petróleo no Brasil somam R$ 17,4 bilhões, cerca de 35% do capital aplicado nesse segmento. Boa parte desses recursos tem origem em duas operações recentes e importantes: a aquisição da Transportadora de Gás (TAG) pela Engie e o bloco arrematado pelo consórcio da Total na Bacia de Campos na 16.ª Rodada de Licitação de Blocos da Agência Nacional de Petróleo (ANP).

Se os dois principais produtos da pauta de exportação brasileira para a França são farelo de soja e minério de ferro, duas commodities, aeronaves e motores elétricos, já figuram também entre os dez mais nas vendas, sabidamente tecnologias de alto valor agregado. Esse tipo de composição é que fez a balança comercial franco-brasileira ter crescido 21,7% nos últimos dez anos e, de modo geral, ser bastante equilibrada, com oscilações constantes entre superávits e déficits entre as duas nações.

Mesmo diante da pandemia que afetou de forma inimaginável a economia global em 2020, as companhias francesas renovaram a confiança no Brasil, anunciando o País como destino prioritário em suas estratégias e planos de investimentos no longo prazo. Não à toa, diante da desvalorização do real e por acreditar na recuperação da economia, muitas organizações realizaram aquisições e fortaleceram ainda mais a presença no seu setor de atuação.

Nestes últimos 120 anos, a CCIFB cumpriu um importante papel para tornar realidade os robustos números acima relatados. Na forma de organização de missões comerciais, de assessoria internacional a empresários dos dois lados do Atlântico, de encontros com autoridades de ambos os países e, sobretudo, na criação de relacionamentos de negócios sólidos entre empresas francesas e brasileiras. Qual a receita desse sucesso? O já citado historiador Fernand Braudel pode nos ajudar a explicar. Ele cunhou uma frase lapidar sobre sua experiência de trabalhar e viver em São Paulo: “Eu me tornei mais inteligente indo ao Brasil”. Podemos dizer que a parceria franco-brasileira é mais uma forma dessa expressão de mútua inteligência.

DIRETORA DA CÂMARA DE COMÉRCIO FRANÇA-BRASIL