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Opinião|Fundeb, entre o princípio do prazer e o princípio da realidade

Proposta da relatora oferece inúmeros riscos e perigos, que não vêm sendo considerados

Atualização:

Criado em janeiro de 2007, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) expira no final deste ano. Precisa ser renovado. Desde pelo menos 2017 houve estudos, audiências e debates sobre o tema. A proposta apresentada pela deputada Professora Dorinha (DEM-TO) está em fase final de debates na comissão especial e deverá ir ao plenário da Câmara em março.

Há três conjuntos de ganhadores com a existência do Fundeb. O primeiro deles são os municípios com baixa arrecadação, que tiveram um reforço expressivo em seus orçamento; 20% da população escolar vive em 1.346 municípios que dependem quase só do Fundeb. O fundo também reduziu fortemente a diferença de recursos à disposição da educação nos municípios. O segundo ganhador são os municípios que conseguiram atingir uma faixa de custo por aluno entre R$ 4 mil e R$ 7 mil – valores dentro dos quais se verifica uma melhoria no desempenho dos estudantes. Porém os maiores beneficiados foram os professores, que tiveram ganhos reais de 7% acima da inflação ao ano nos últimos dez anos. Não é de estranhar, portanto, que este seja o grupo mais competente e mais vocal na defesa do Fundeb.

A proposta apresentada pela deputada relatora conta com amplo apoio e, como no caso de movimentos anteriores, é alvo de elevado grau de consenso. A proposta traz numerosas inovações – algumas delas bastante interessantes. Mas ela oferece inúmeros riscos e perigos, que não vêm sendo considerados por causa da competente agilidade e capacidade de mobilização de seus defensores, diante da falta de competência e articulação política do governo federal.

No futuro próximo haverá menos demanda por educação e vagas. Ao mesmo tempo, haverá enorme pressão de crescente número de idosos, com demandas urgentes e caras. É por desconsiderar esse contexto que as principais propostas de mudança do Fundeb se tornam ainda mais perigosas. Vamos a elas.

A primeira é tornar permanente o fundo provisório. Isso significa constitucionalizar e tornar mais difíceis mudanças no futuro. Também significa que serão necessárias leis complementares, de complexa tramitação e igualmente difíceis de alterar. É uma declaração antecipada de guerra entre gerações.

A segunda refere-se às vinculações, especialmente de recursos para pagamento de professores: 70% do Fundeb seria destinado aos professores efetivos. Para a maioria dos municípios, isso significa que quase todo o restante do orçamento educacional será consumido com pessoal, deixando poucos recursos para investimento, custeio e outros gastos. Com isso será ainda mais difícil melhorar a qualidade das escolas e da educação. A lei do piso, também vinculada ao Fundeb, é outro gatilho que contribui para aumentar a crise fiscal – e tem implicações até mesmo na folha de pagamento dos inativos: teve um aumento de 204% entre 2009 a 2020. Recente interpretação inconsequente do Supremo Tribunal Federal estendeu o porcentual de aumento do piso a todos os professores.

A terceira decorre da complexidade e do nível de detalhamento da legislação proposta, que reduz as chances de uso eficiente de recursos e abre espaço para a judicialização permanente. Só para dar um exemplo, há pouco tempo o governo federal enfrentou uma condenação de R$ 90 bilhões por erros na interpretação da lei do Fundeb, muito menos complexa do que na formulação atual.

O momento é difícil e não poderia ser mais inoportuno para avançar com essas propostas de consequências tão graves para Estados e municípios, de um lado, e, de outro, para a educação, pois aumentam as amarras e dificultam a busca de eficiência.

Governadores estão cientes dos problemas, mas parecem mais interessados em ver os recursos federais aumentados do que em entrar no mérito de possíveis complicadores futuros. Prefeitos estão cuidando de sua reeleição ou se despedindo do mandato.

No âmbito federal, as novas propostas para o Fundeb vão de encontro às políticas macroeconômicas, com acenos à descentralização, desvinculação em geral e reforma fiscal. Mas não se vê uma ação efetiva da área econômica no debate – apenas a busca de fórmulas para transferir recursos de fundos ou do Sistema S para o Fundeb. Falta ao governo uma articulação política e ao MEC, apetite e condições para articular uma proposta, arregimentar uma base parlamentar e estabelecer um contraponto às pressões corporativas.

Quem sabe, uma ideia mais sensata seria simplesmente prorrogar a validade do Fundo – no mínimo, para daqui a dois ou, idealmente, para daqui a seis anos –, quando outras reformas já estiverem aprovadas e sendo implementadas, e os novos prefeitos já tiverem tido tempo de familiarizar-se com a gigantesca crise previdenciária que os espera?

Se precisar pagar um preço para isso, que se aumentem os gastos federais, desde que voltados integralmente para fazer o que de melhor o Fundeb faz, que é reduzir a desigualdade entre os municípios.

* JOÃO BATISTA OLIVEIRA É PRESIDENTE DO INSTITUTO ALFA E BETO