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O jornalista Carlos Alberto Di Franco escreve quinzenalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Fundo eleitoral alimenta fantasmas

A pornopolítica está na raiz da espiral de violência que sequestra a esperança dos jovens e ameaça nossa democracia.

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Atualização:

Recente reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, apoiada na força dos fatos, desnudou mais um ângulo da pornopolítica que domina o País. Matéria de Daniel Weterman, Julia Affonso e Vinícius Valfré mostra que partidos repassaram ao menos R$ 5, 8 milhões do fundo eleitoral para candidatos “fantasmas”. O dinheiro público caiu na conta de políticos que, a poucos dias das eleições, praticamente não fizeram campanha, não usaram as redes sociais para divulgar seus nomes, não distribuíram santinhos, são novatos ou tiveram votação inexpressiva em disputas passadas. Mas, mesmo assim, receberam acima da média dos concorrentes. A verba também foi parar em empresas que não entregaram os serviços e bancou despesas de outros postulantes. O dinheiro público, ao que tudo indica, serviu para fertilizar o laranjal e encher os bolsos dos candidatos das sombras.

No Amazonas, prossegue a reportagem, uma candidata a deputado federal pelo PROS ganhou R$ 3 milhões do fundo eleitoral e se tornou a líder nacional em repasses do partido. Em 2018, ela recebeu 41 votos e terminou a disputa naquele ano com as contas rejeitadas por ocultar gastos da Justiça Eleitoral. O valor destinado a ela é maior do que a candidatos com grande potencial eleitoral. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), por exemplo, recebeu R$ 2 milhões para sua reeleição; Eduardo Bolsonaro (PL-SP), campeão nacional de votos na disputa passada, R$ 500 mil.

O Estadão encontrou casos suspeitos de norte a sul e que obedecem a um padrão. O fundo eleitoral, que neste ano ficou em R$ 5 bilhões, é distribuído por dirigentes partidários e, agora, cai na conta de candidatos que não estão fazendo campanha. A divisão beneficia até quem abandonou a disputa ou está com a candidatura indeferida, sem devolução da verba para os cofres públicos. Resumo da ópera: corrupção na veia, cinismo e uma bofetada na sociedade. A política brasileira está podre. Ela é movida a dinheiro e poder. Dinheiro compra poder e poder é ferramenta poderosa para obter dinheiro. É disso que se trata. E é isso que precisa mudar. Enquanto o Brasil precisa desesperadamente de reformas, ajustes, cortes, o Congresso se autopremiou com um fundo eleitoral milionário. Deu no que deu. E a matéria do Estadão é a ponta do iceberg de um lodaçal mais profundo.

O custo humano e social da corrupção brasileira é assustador. O dinheiro que desaparece no ralo da delinquência é uma tremenda injustiça, um câncer que, aos poucos e insidiosamente, vai minando a República. As instituições perdem credibilidade numa velocidade assustadora.

Os protestos que, lá atrás, em 2013, tomaram conta das cidades precisam ser interpretados à luz da corrupção epidêmica, da impunidade cínica e da incompetência absoluta da gestão pública. Há uma clara percepção de que o Estado está na contramão da sociedade. O cidadão paga impostos extorsivos e o retorno dos governos é quase zero. Tudo o que depende do Estado funciona mal. Educação, saúde, segurança e transporte são incompatíveis com o tamanho e a importância do Brasil.

São padrões de política em que a corrupção rola solta. A percepção de impunidade é muito forte. A destruição da Operação Lava Jato, patrocinada por setores do Judiciário e orquestrada pelos que criaram a narrativa de uma parcialidade e uma injustiça mais falsa que Judas, tende a perpetuar a corrupção no País. As vozes das ruas, nas suas manifestações legítimas, esperam uma resposta efetiva, e não um discurso marqueteiro. Não há marketing que supere a força inescapável dos fatos.

Campanhas milionárias, promessas surrealistas e imagens produzidas fazem parte da promoção de alguns políticos. Assiste-se, diariamente, a um show de efeitos especiais e factoides capazes de seduzir o grande público, mas, no fundo, é vazio de conteúdo e carente de seriedade. O marketing, ferramenta importante para a transmissão da verdade, pode ser transformado em instrumento de mistificação.

Estamos assistindo à morte da política e ao advento da era da inconsistência. Os programas eleitorais continuam vendendo uma bela embalagem, mas, de fato, são paupérrimos na discussão das ideias.

Nós, jornalistas, temos um papel importante. Devemos dar a notícia com toda clareza. Precisamos fugir do jornalismo declaratório. Nossa missão é confrontar a declaração do político com a realidade dos fatos. Não se pode permitir que as assessorias de comunicação definam o que deve ou não ser coberto. O jornalismo de registro, pobre e simplificador, repercute o Brasil oficial, mas oculta a verdadeira dimensão do País real. Precisamos fugir do espetáculo e fazer a opção pela informação. Só assim, com equilíbrio e didatismo, conseguiremos separar a notícia do lixo declaratório. O jornalismo transformador é substantivo. Sua força não está na militância ideológica ou partidária, mas no vigor persuasivo da verdade factual.

Transparência nos negócios públicos, ética, boa gestão e competência são as principais demandas da sociedade. Memória e voto consciente compõem a melhor receita para satisfazê-las. Devemos bater forte na pornopolítica. Ela está na raiz da espiral de violência que sequestra a esperança dos jovens e ameaça nossa democracia.

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JORNALISTA E-MAIL: DIFRANCO@ISE.ORG.BR

Opinião por Carlos Alberto Di Franco

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