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Opinião|Hora de dar um gás no Brasil

Substituição do regime de concessão pelo de autorização vai atrair investimentos privados

Atualização:

A Câmara dos Deputados despachou projeto de lei que pretende fomentar a indústria do gás natural (GN) no Brasil. Aprovado, após tramitar durante mais de cinco anos, por uma larga maioria de 351 deputados, com apenas 101 votos contrários, o projeto de lei recebeu o apoio do governo federal e das empresas do setor, numa grande convergência.

O projeto quebra o monopólio que foi sendo criado ao longo do tempo pela Petrobrás no Brasil. Abre o mercado para outras empresas, mediante a substituição do regime de concessão - instituído pela Lei n.º 9.478/97, que não teve o sucesso esperado - pelo regime de autorização.

O resultado dessa política foi uma rede de gasodutos insuficiente tanto para atender à demanda potencial do País quanto para propiciar ganhos com o aumento da oferta do GN, que é o mais limpo dos combustíveis fósseis e um energético abundante e barato, de larga utilidade. Seu consumo abarca desde o uso na cozinha dos lares brasileiros, passando pela indústria e chegando à geração de energia elétrica.

Hoje a rede nacional de gasodutos de transporte tem somente cerca de 9,5 mil quilômetros de extensão, ante os 16 mil quilômetros existentes na Argentina, para dar um exemplo próximo. Aqui o gás natural responde por 13% da matriz energética, ante 22% da matriz mundial, segundo dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).

A substituição do regime de concessão pelo de autorização dará mais velocidade aos investimentos, por ser um processo menos burocrático e mais favorável à atração dos investimentos privados. A liberdade de acesso à rede de gasodutos, bem como outros mecanismos incluídos no projeto, dará aos investidores a segurança necessária para empreender. E esta é a ideia central do texto: atrair os investimentos privados para o setor e deixar que o mercado de gás natural cresça organicamente, sem depender de investimentos públicos, hoje insuficientes.

As empresas com interesse no setor começam a se movimentar na expectativa da nova lei. A imprensa especializada noticiou que a Spic Brasil, subsidiária da State Power Investment Corporation, da China, assinou recentemente contrato para adquirir 33% dos projetos termoelétricos GNA I e GNA II, ambos em construção no Porto do Açu, em São João da Barra (RJ).

A Spic também firmou contrato para participar dos futuros projetos de expansão que preveem a utilização combinada do gás natural liquefeito (GNL) importado, e de gás do pré-sal, hoje as fontes mais viáveis e baratas do energético. O complexo inclui um terminal de GNL com capacidade total de 21 milhões de metros cúbicos diários. A primeira usina, a GNA I (1.300 MW), deve começar a operar na primeira metade de 2021.

A Transportadora Associada de Gás (TAG), a Nova Transportadora do Sudeste (NTS) e a Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil (TBG) mapeiam rotas e pretendem construir pequenos ramais estratégicos, estimados em R$ 630 milhões pela EPE, que, por sua vez, já mapeou potencial de investimentos de R$ 17 bilhões em 11 novos projetos.

A estimativa é de que a nova lei proporcione investimentos entre R$ 50 bilhões e R$ 60 bilhões e 4 milhões de empregos em cinco anos, além de reduzir o preço do combustível à metade, o que permite um aumento de 0,5 ponto porcentual de crescimento do produto interno bruto (PIB) por ano na próxima década.

A produção de gás do Brasil deverá triplicar até 2030, passando dos atuais 50 milhões de para quase 150 milhões de metros cúbicos/dia. Ela vai crescer muito com a exploração do pré-sal e de gás barato disponível no mundo, vindo do exterior por tubos ou por navios, em forma liquefeita.

Tudo isso deve baratear o gás natural no Brasil, onde os preços são atualmente mais altos que no exterior. Segundo a estimativa do Ministério da Economia, o preço do gás pode cair à metade, para uma faixa entre US$ 4 e US$ 8 por milhão de BTUs, ante o valor atual que varia de US$ 12 a US$ 14.

A nova Lei do Gás terá, para o País, importância semelhante à do recém-aprovado marco legal do saneamento e a das mudanças no setor elétrico, de ferrovias e petróleo, também em andamento no Congresso Nacional. Trará benefícios incontáveis à sociedade brasileira. Além dos investimentos privados e da criação dos empregos mencionados, reduzirá consideravelmente o preço do gás natural, do botijão de uso doméstico à indústria de produtos siderúrgicos, cerâmicos, químicos, de cimento e de vidro, tornando-os mais baratos e competitivos.

Teremos também redução do preço da energia elétrica: 23% da sua geração utiliza atualmente GN como combustível, segundo a EPE. No bojo dos novos investimentos haverá ganhos de arrecadação e melhoria ambiental: o gás natural é o menos poluente dos combustíveis fósseis. A própria Petrobrás será beneficiada pela competição, pois terá de se tornar mais eficiente para enfrentá-la.

É urgente que o Senado vote o projeto, cujos benefícios, reitero, serão incomensuráveis para o País, ajudando-nos a sair do difícil momento que atravessamos. 

Está na hora de dar um gás no Brasil.

SENADOR (PSDB-SP)

Opinião por José Serra