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Opinião|Incentivo ao conhecimento

Iniciativas como o Prêmio Fundação Bunge contribuem para um Brasil melhor

Atualização:

Uma das mais tradicionais e prestigiosas honrarias concedidas a homens e mulheres das ciências, das artes e das letras no Brasil é também uma das mais abrangentes. Criado em 1955 e outorgado anualmente desde 1956, o Prêmio Fundação Bunge já homenageou quase duas centenas de pesquisadores de diversos campos da ciência, bem como representantes das mais variadas manifestações artísticas e literárias produzidas no País.

Na primeira semana de outubro essa tradição se renova, com a consagração do trabalho do engenheiro agrônomo Luciano Cordoval de Barros, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), e da extensionista da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado de Minas Gerais (Emater) Márcia Alves Esteves, responsáveis por importantes contribuições no campo da agricultura familiar; e dos artistas Paulo Ito e Raiz, cujas obras em grafite pelas ruas de São Paulo e de Manaus, respectivamente, são aplaudidas como exemplos notáveis da arte visual de rua nacional. Luciano e Paulo recebem o prêmio na categoria Vida e Obra, enquanto Márcia e Raiz são reconhecidos na categoria Juventude, concedido a pessoas de até 35 anos de idade.

A escolha de dois temas-foco tão específicos – agricultura familiar e arte visual de rua – e, à primeira vista, não diretamente relacionados à atuação de uma gigante global do agronegócio é apenas a mais recente demonstração da abrangência que a fundação procura dar à premiação. Que é, justamente, uma das maiores forças do projeto. Ao longo de sua história, tendo celebrado personalidades de toda sorte – artistas circenses, escultores, médicos, geógrafos, matemáticos, oceanógrafos, educadores, juristas, arqueólogos, críticos, linguistas, romancistas; a lista completa é demasiado extensa –, o prêmio segue fazendo jus ao propósito original que levou a Bunge a constituir a sua fundação, mais de seis décadas atrás: promover a excelência, o conhecimento humano, em toda a sua diversidade.

Nos dias atuais, poucas missões se mostram tão necessárias quanto esta: a de valorização do saber e, em especial, das pessoas que constroem o saber. Para além do justo reconhecimento dos premiados, creio que seria excelente haver iniciativas semelhantes de outras empresas e instituições da sociedade civil, independentemente do setor em que atuam, de defesa e incentivo à produção do conhecimento como um valor em si. Tenho a convicção de que a criatividade e o conhecimento são os melhores instrumentos de que dispomos para a promoção de desenvolvimento social e econômico em bases sustentáveis – outro propósito a que a Fundação Bunge se dedica. O que nos leva de volta aos dois temas contemplados pelo prêmio deste ano, como bons exemplos do que quero dizer.

Comecemos pela agricultura familiar, setor cuja relevância para o Brasil e para o mundo já é, há algum tempo, inquestionável. Em números: 80% da produção mundial de alimentos vem, hoje, de produtores familiares (no Brasil, a expressão abrange também silvicultores, aquicultores, extrativistas, pescadores, indígenas, quilombolas e assentados). Gerando 65% do faturamento anual do agronegócio nacional, é também a agricultura familiar a maior responsável pelo desenvolvimento econômico das áreas rurais do País, onde emprega mais de 70% da população.

É na esfera da produção de conhecimento, porém, que a escolha pelo tema da agricultura familiar se mostra mais alinhada à tradição do Prêmio Fundação Bunge. Diferentemente da agricultura industrial, de larga escala, que opera com fatores em sua maioria já conhecidos e controlados, são os pequenos produtores, em interação direta com recursos naturais os mais diversos, que primeiro entram em contato com novas variedades, novos desafios ambientais e realizam processos iniciais de melhoramento de organismos e técnicas que mais adiante se revelam decisivos para o advento de tecnologias agrárias mais eficientes. Há um patrimônio de saberes nas comunidades de agricultores familiares que precisa ser respeitado, preservado e – num intercâmbio saudável com a academia e a indústria – aplicado em prol da produtividade agrícola sustentável.

Analogamente, também é de patrimônio que estamos falando quando pensamos em arte visual de rua. Um patrimônio de saberes estéticos e discursivos em torno de temas e questões que estão vivos na sociedade, mas nem sempre se encontram representados nos espaços institucionais de produção do pensamento nacional. Os grafites de forte cunho político pelos quais Paulo Ito é hoje internacionalmente admirado, assim como as representações de culturas indígenas amazônicas nas obras do jovem Raiz (o pseudônimo de Rai Campos Lucena), são saberes que talvez precisem menos do reconhecimento oficial da academia e do mercado do que o contrário.

A academia e o mercado da arte, na verdade, é que têm muito a ganhar, e a se renovar, com o agudo senso crítico e o sopro de diversidade, liberdade e independência que a arte visual de rua demonstra em seus melhores momentos. E cujo impacto, aliás, também pode ser estimado em números. Basta dizer que, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Museus, em 2017 os dez museus mais visitados do País receberam, juntos, um público de quase 9 milhões de pessoas. Somente no túnel que liga a Doutor Arnaldo e a Paulista, duas das principais avenidas de São Paulo, um já histórico reduto do grafite nacional é visto pelo mesmo número de pessoas em apenas quatro meses.

A arte de rua tem o que dizer. A agricultura familiar tem o que ensinar. O que iniciativas como o Prêmio Fundação Bunge fazem é reconhecer o valor desses discursos e ensinamentos, ampliar ainda mais o seu alcance e seguir incentivando a produção e a troca de conhecimentos, na construção de um Brasil melhor.

*CURADOR DOS PRÊMIOS FUNDAÇÃO BUNGE, É PRESIDENTE DO CONSELHO SUPERIOR DE ESTUDOS AVANÇADOS (CONSEA-FIESP)