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Opinião|Internacionalização da Amazônia

Em matéria de preservação ambiental o Brasil não está em condições de ditar regras

Atualização:

O interesse externo pela Amazônia ficou evidente no livro O Ano 2000 – Uma incursão no perturbador futuro próximo, realizada com científica frieza, de Herman Kahn e Anthony J. Wiener, editado no Brasil em 1968 pela Ed. Melhoramentos, com prefácio de Roberto Campos. No capítulo dedicado à exploração de energia nuclear, escrevem os autores: “Entre outras fontes de energia estão (como indica estudo ainda não publicado do Instituto Hudson) numerosas represas pequenas de rios sul-americanos. Assim, parece que o Rio Amazonas poderia ser represado com relativa facilidade. Isto não só criaria uma ilha ‘mediterrânea’, como também poderia produzir cerca de 75 milhões ou mais de quilowatts de capacidade, que poderia ser usada na produção de eletricidade a um custo de alguns milésimos de dólar por quilowatt-hora (ou cerca de um terço da capacidade total atual dos EUA, por uma fração do seu custo)” (fl. 111). O livro despertou imensa curiosidade e transformou os autores em celebridades, hoje esquecidas.

A primeira tentativa concreta de penetração estrangeira na região ocorreu na segunda metade do século 19, quando o governo americano soube de projeto desenvolvido pelo governo boliviano de construção de ferrovia destinada à exportação de borracha pelo Oceano Atlântico. A magistral biografia de José Maria da Silva Paranhos, o barão do Rio Branco, escrita por Álvaro Lins, contém esta breve informação: “Foi curta e sem acontecimentos a estada de Rio Branco em Berlim. Na sua correspondência oficial com o Ministério do Exterior só aparece a sua intervenção oficial no caso do Acre, que resolveria pouco depois no Rio. O capitalismo internacional pretendia apoderar-se do Acre, por intermédio de um sindicato, como se fosse uma colônia africana. Capitais norte-americanos e ingleses estavam em ação em La Paz. Noticiara-se também que o chanceler alemão recebera um dos diretores do sindicato e lhe prometera auxílio ou apoio de banqueiros alemães. Em entrevista com o Barão de Richthofen, secretário de Estado, Rio Branco informa-o de que a fronteira entre o Brasil e a Bolívia não estava ainda demarcada e pede que o governo alemão não se intrometa em tão desagradável negócio” (Rio Branco, Companhia Editora Nacional, SP, 1965, pág. 248).

A incorporação do Acre pelo Tratado de Petrópolis, negociado por Rio Banco, custou-nos 2 milhões de libras esterlinas e a construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, com extensão de 366 quilômetros. A obra, de interesse de ambos os países, foi concluída em agosto de 1912, sob a direção do empresário norte-americano Percival Faquhar. Nela morreram, oficialmente, 1.552 trabalhadores, vítimas de malária, tifo, acidentes de trabalho e ataques indígenas. Outras estimativas aludem a mais de 5 mil, ou um operário para cada dormente assentado.

Já no início da década 1920, Henry Ford cogitou de se tornar autossuficiente na produção de pneus para os automóveis produzidos em Detroit. Com esse objetivo adquiriu vasta área às margens do Rio Tapajós, onde construiu uma vila dotada das comodidades da época, montou fábrica de borracha, plantou 3 milhões de seringueiras e contratou 2.700 empregados. Com a invenção da borracha sintética, mais simples de produzir e mais barata, e o término da 1.ª Guerra Mundial, em 1918, houve redução da procura por borracha natural. A manutenção da Fordlândia tornou-se, então, antieconômica e acabou sendo abandonada em 1945 pelo filho e sucessor do fundador, Henry Ford II, que vendeu as terras e instalações ao governo brasileiro (Jari, Sérgio da Cruz Coutinho e Maria Joaquina Pires, Ed. Imago/Jari Celulose/Embrapa, RJ, 1997, pág. 19).

Na década de 1960 o negócio da celulose atraiu para a região do Rio Jari o americano Daniel Keith Ludwig, bilionário ligado ao setor de transportes marítimos. Em março de 1967 Ludwig concluiu as negociações para a fundação da empresa Jari Florestal e Agropecuária, integrante do grupo Jari Indústria e Comércio S/A, com o governo do presidente Castelo Branco. O projeto visava a produzir celulose, explorar jazida de caulim, cultivar milho, mandioca e arroz, criar gado bovino, na área de 1.632.121 hectares, sendo 1.174.391 hectares no município de Almeirim (PA) e 457.730 hectares no então Território Federal do Amapá, município de Mazagão.

O conjunto produtor de celulose e a usina geradora de energia foram fabricados no Japão e transportados por via marítima, em duas gigantescas balsas, até o Porto de Munguba, às margens do Rio Jari, região do Baixo Amazonas, num percurso de 28.706 km, percorrido em 87 dias. Com o projeto concretizado e a indústria em operações, Daniel Ludwig passou a ser hostilizado como ameaça à soberania nacional, interessado em implantar Estado independente no coração da Amazônia. Em 1981, com idade avançada, cansado e desiludido, o bilionário Daniel Ludwig entregou a monumental obra ao governo e se retirou para os Estados Unidos.

O Brasil ocupa lugar destacado nos índices mundiais de desmatamento. Países como a França, Finlândia, Bélgica e Holanda procuram conservar ou reflorestar. A negra nuvem de fuligem que cobriu São Paulo em agosto não foi provocada por alienígenas. São brasileiros os responsáveis pela devastação da Amazônia. Somos nós os poluidores de regatos, rios, mananciais, lagos, reservatórios e destruidores da flora e da fauna. Produzimos favelas, arruinamos o centro histórico de São Paulo, transformamos o antigo e belo Rio de Janeiro na cidade que hoje ela é.

Em matéria de preservação ambiental, o Brasil não está em condições de ditar regras. O melhor é admitir que somos omissos e indiferentes. Pela ação de vândalos e sob o olhar indolente de sucessivos governos, assistimos à destruição do meio ambiente, procurando os responsáveis no exterior.

*ADVOGADO, EX-MINISTRO DO TRABALHO E EX-PRESIDENTE DO TRI–BUNAL SUPERIOR DO TRABALHO, É AUTOR DE ‘A FALSA REPÚBLICA’

Opinião por Almir Pazzianotto Pinto