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O sociólogo Paulo Delgado escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Liberais clássicos, nova esquerda e cidadão comum

O País deveria apostar em um novo padrão de maioria política formado por princípios e programas, e não em promiscuidade

Atualização:

Eles não são alguém que devolveu o troco errado. São os que chegam ao poder com uma mentira na alma. Com as pessoas vivendo numa ampulheta, dominadas por um materialismo existencial que faz o tempo passar por influência dos outros – a vida finge ser um jogo de opostos. 

A emoção tem partes vis que quando entram em nossa vida com a falsa familiaridade de notícias de massa é difícil perceber o que está acontecendo. Em assuntos feitos para uso de outros, os sentimentos que transmitem ocupam uma sala grande e mal iluminada da nossa emoção. Na sociedade de públicos manipulados, o que influencia você mecanicamente dificilmente é a seu favor. 

O excesso de informação disponível dificulta à pessoa viver a simplicidade da vida moral e a tranquilidade de seguir sua vocação. A ideia, por exemplo, de que somos puro produto de questões econômicas e políticas, como a parte mais importante de tudo, não se aplica a todas as situações da vida. O coração humano é insondável e pode ser levado ao abismo pela simplificação em moda. 

Um país multiculturalista que dá excessivo realce ao dinheiro, pregando atividades financeiras como droga, onde cartão de banco é mais importante do que matrícula escolar, carteira de identidade ou de trabalho; negligente em atividades produtivas e espirituais; extremamente fixado nas teorias do valor de um inviável economicismo de esquerda; só podia desaguar no poder de um liberalismo antissocial de direita. 

Sem rival verdadeiro, a política é só rivalidade. E o materialismo político-econômico, num autoengano contagiante, foi para cima dos sem-poder, como se fossem um formigueiro social, colocando em segundo lugar a alma humana, confundindo religião com neurose, tirando do povo a autonomia para pensar e viver. 

O consenso convencional sobre a ordem econômica, moeda e crédito se ampara nos atos culpáveis de uma política financiada pelo Estado. Sem antídoto não estatal, impôs um atraso cultural aos jovens e suas famílias que não sabem mais como ajudar os filhos no discernimento das vocações e, assim, se livrar do maria-vai-com-as-outras que domina o pensamento econômico fracassado que praticamos. 

Há uma unidade de manual imposta pelas paixões dos que adquiriram a oportunidade de expressá-las – concentrada, agora, nos principais pensadores que são candidatos e assessores. Paixões pessoais engajadas reduzem a possibilidade de deslocamentos estruturais capazes de enfrentar costumes enraizados. A vocação pelo pensamento incompleto, e o rol de intenções individualistas que possuem os líderes para controlar o mando sobre o processo político, fragmentou a sociedade em pedacinhos. O candidato que não ultrapassar seu eu ordinário não servirá ao humanismo político e plural de que o Brasil precisa. 

Ninguém vai conseguir ver o todo dando ênfase exagerada a metas econômicas, indiferente à realidade familiar, cultural e religiosa da vida privada. A desigualdade social no Brasil é uma falha moral do modelo político-econômico em vigor. 

A condição necessária à mais digna existência humana é cada vez mais psicológica, espiritual e vocacional. A análise econômica focada nos interesses de renda acomoda a sociedade na conversa descritiva de investidores. A política sem vocação e espiritualidade reduz sua autoridade ao dinheiro, recebe seu pagamento à sombra, não muda erros de uma ordem que gera subdeuses. 

O massacre patológico do economicismo meteu o País numa sauna e descuidou da preocupação com tipos de ação capazes de fazer a transição para uma vida melhor. Ações que valorizem a personalidade do indivíduo, suas necessidades essenciais e a forma da sua interdependência frente às instituições públicas e à vida em comunidade. 

Insatisfeitos não precisam de razões, qualquer uma serve. A ideologia entre nós é um botton pregado com alfinete. Serve aos que creem em qualquer coisa que os beneficie. Fecha o espaço para as pessoas abertas a algo mais elevado e maior do que seu interesse próprio. Fornece a justificativa moral para o oportunismo agir como se fosse diálogo.

A melhor interpretação da conjuntura não deve se contentar com reciclagem de material, memória velha se fazendo de nova, onde o groucho marxismo impera: são estes meus princípios. Se você não gostar, tenho outros! É preciso alguém que não veja a história como registro para enganar palermas.

O País deveria apostar em um novo padrão de maioria política formado por princípios e programas, e não em promiscuidade. A ordem social só se configura como significativa, se suas circunstâncias produzem coletivos dispostos a comandar o processo de mudança. E o conjunto que melhor simboliza a contribuição histórica necessária ao momento deve ser capaz de dar voz à maioria dos eleitores, reunindo o liberal clássico, a nova esquerda, o centro-progressista e os anseios do cidadão comum. Eleger o Centrão para não ter de comprar o Centrão é diplomar na posse o aborrecimento.

Vemos uma sucessão que se anuncia trepidante, mas enlatada e estéril. Ainda é tempo de reflexão. O Brasil nasceu para algo muito melhor do que alguém sempre lhe pregando peças. 

SOCIÓLOGO. E-MAIL: CONTATO@PAULODELGADO.COM.BR

Opinião por Paulo Delgado
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