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Economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP, consultor econômico e de ensino superior, Roberto Macedo escreve na primeira e na terceira quinta-feira do mês na seção Espaço Aberto

Opinião|Lula: dos males o menor, para evitar o pior

O petista tem seus defeitos, mas o mérito mais relevante neste momento: é muitíssimo democrata, enquanto Bolsonaro tem forte viés autocrata.

Atualização:

No primeiro turno, votei em Simone Tebet. No segundo, votarei em Lula, que ela apoia, o que é um bom sinal. Bolsonaro desgoverna sob vários aspectos: entre eles, é grosseiro no trato pessoal, não raciocina bem, fala coisas como “imbrochável” e “pintou um clima”, descuidou da educação, da saúde, do meio ambiente, e nunca buscou seriamente o crescimento econômico de que o País tanto carece. É, também, descuidado com as finanças públicas. Medidas que tomou, em particular no fim do mandato, como a PEC Kamikaze, tiveram viés populista e eleitoreiro, como numa tentativa de comprar votos. E deixará pesado ônus fiscal para Lula, ou para si mesmo, se ficar.

Suas trapalhadas recentes foram, como de hábito, chocantes. Compareceu a vários eventos de olho em aparecer no noticiário, mas tropeçando no mau comportamento. Foi à Inglaterra dar pêsames ao novo rei Charles III, pela morte da rainha Elizabeth II, mas sorriu ao fazer isso e também tocou no príncipe, como numa confraternização social. E usou o prédio público da embaixada brasileira em Londres num comício para apoiadores. No dia de Nossa Senhora Aparecida, foi ao santuário dela para aparecer numa multidão de católicos, misturando religião com política, e acompanhado de uma claque que ofendeu romeiros e até o bispo local. A propósito, o art. 208 do Código Penal fala sobre “escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso. Pena: detenção, de um mês a um ano, ou multa. Parágrafo único – se há emprego de violência, a pena é aumentada de um terço, sem prejuízo da correspondente à violência”.

Na economia, que, como economista, acompanho mais de perto, é fato que em 2022 ela cresceu mais do que o previsto no início do ano, e ele atribui a si todo o mérito, mas ignora que o forte alívio da pandemia da covid-19 fez os consumidores voltarem às compras, puxando o desempenho do setor de serviços, principal responsável pela melhoria. Conseguiu reduzir o preço dos combustíveis, mas os preços de alimentos, que importam mais para os pobres, permanecem bem acima da inflação média, apurada pelo IPCA.

Também pesou na recuperação o fato, pouco percebido, de que de janeiro até setembro deste ano os saques da poupança superaram depósitos em R$ 91,1 bilhões de reais (!), um recorde. Segundo o Banco Central, em 2021 essa captação líquida negativa já vinha acontecendo, alcançando a cifra de R$ 35,5 bilhões, e no biênio anterior, também apresentado nesse relatório, ela havia sido positiva, particularmente em 2020.

Mas numa eleição a questão mais importante é a política, e é nesse aspecto que está a maior ameaça bolsonarista. Despreza a democracia, ataca suas instituições e pensa em golpes de Estado até contra si mesmo, pois seus vices – em 2018 e, agora, em 2022 – são militares, pelo temor de que, se fossem políticos, poderiam traí-lo. Suas insanas críticas às urnas eletrônicas me levaram a estudar o assunto, com a ajuda de minha filha Cristiana, que é mesária. Antes do início da votação, é impressa pela urna a chamada lista zerézima, que prova não haver registro de votação. E, ao fim, é impresso o boletim de urna, com os votos de cada candidato. A urna não é ligada à internet, e, assim, é imune a hackers. A auditoria do total de votos pode ser feita somando os votos desses boletins finais. E ponto final. O resto é conversa fiada.

E Lula? Se se imprimissem seus pecados políticos, administrativos e comportamentais, viria uma lista extensa, mas o Judiciário o autorizou a ser candidato e ele exerce o direito de sê-lo. Mas Lula tem também um enorme mérito, que é o mais relevante neste momento. É muitíssimo democrata, esteve oito anos no poder, nunca o vi criticar as urnas eletrônicas, nunca gerou crises institucionais nem propôs aumentar o número de juízes do Supremo Tribunal Federal para nomear novos e conseguir maioria de apoiadores, como flerta o atual presidente, que tem forte viés autocrata.

Lula colocou como seu vice um político experiente, Geraldo Alckmin, que já foi deputado federal e governador do Estado de São Paulo por vários mandatos. Essa parceria de dois ex-adversários estranhou muita gente, mas no mundo da política não causa surpresa. Em Portugal, por exemplo, nas eleições de 2015 houve a insólita combinação de um partido de centro-esquerda com três da esquerda radical, que ficou conhecida como geringonça, com conotação positiva. Assim, a aliança entre Lula e Alckmin é como se fosse uma geringonça à brasileira.

Meu voto em Lula não será incondicional. Se eleito, acompanharei seu governo e cobrarei falhas, em particular se não seguir o que venho defendendo neste espaço: um plano de governo que busque o crescimento econômico mais acelerado, e que este seja ambientalmente sustentável, socialmente inclusivo, com efetiva governança do Estado – o que exigirá reformas –, e maior inserção internacional do País.

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ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR 

Opinião por Roberto Macedo
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