EXCLUSIVO PARA ASSINANTES
Foto do(a) coluna

Economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP, consultor econômico e de ensino superior, Roberto Macedo escreve na primeira e na terceira quinta-feira do mês na seção Espaço Aberto

Opinião|Lula precisa escolher logo o seu Posto Ipiranga

Se o nomeasse, o petista seria poupado de problemas como os que criou na semana passada.

Atualização:

Na campanha eleitoral de 2018, o então candidato Jair Bolsonaro optou por dizer que não entendia de Economia. Quando questionado sobre o assunto, pedia que as perguntas fossem dirigidas a seu futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, e colocou nele a imagem de um Posto Ipiranga. Ela veio da propaganda de uma rede de postos de combustíveis em que uma pessoa perguntava por algo e seu interlocutor respondia que procurasse num desses postos.

Lula tampouco entende de Economia, em particular da esfera macroeconômica, mas irresponsavelmente fala sobre o assunto, causando reações dos mercados financeiros, como aconteceu na quinta-feira da semana passada, levando à queda do índice Bovespa e ao aumento da taxa de câmbio. Não estou cobrando esse entendimento de Economia, de que também carecem muitos outros políticos, e isso é usualmente resolvido quando assumem postos executivos e buscam especialistas para compor sua equipe. Na esfera federal, no primeiro escalão estão os ministros, que frequentemente também são políticos, mas igualmente se apoiam em especialistas, muitos deles dos quadros permanentes do serviço público.

Vou destacar algumas falas de Lula, também na quinta-feira passada, como exemplos de sua incompreensão de temas econômicos: “Tudo que a gente quer fazer é gasto, gasto, gasto. Para quê? Para guardar dinheiro para pagar juros aos banqueiros? Não!” E “por que as pessoas são levadas a sofrerem por conta de garantir a tal da estabilidade fiscal deste país?”.

Ora, o governo tem uma dívida enorme, de R$ 5,8 trilhões (!) até setembro passado, conforme o Relatório Mensal da Dívida Pública Federal, do Tesouro Nacional, sobre a qual pagou no ano, até o mesmo mês, R$ 414,9 bilhões (!) de juros. Mas os credores da dívida são pessoas físicas e jurídicas brasileiras, e há até estrangeiras. Se o leitor aplicou num fundo lastreado em títulos governamentais, é também um deles. O próprio Lula talvez tenha um desses fundos e seja credor do governo. Prestando serviços a esses credores, os banqueiros cobram por isso, além de terem seus próprios investimentos. Mas, por si mesmos, ganham só uma pequena parte dos juros totais pagos.

O governo precisa ter dinheiro para pagar juros a todos esses credores. Se não pagasse, seria um desastroso calote que causaria um enorme tumulto na economia, pois os investidores não emprestariam mais recursos ao governo, este teria de emitir dinheiro para suprir suas necessidades e isso viria uma altíssima inflação – e outra razão é que a taxa de câmbio subiria fortemente.

Passando para a segunda afirmação de Lula, a “tal da estabilidade fiscal” pressupõe o pagamento do serviço da dívida e absorve recursos que poderiam ser destinados a finalidades nobres, como os programas sociais. Mas com instabilidade fiscal a situação seria ainda pior, pois os juros recebidos pelos credores seriam ainda maiores e o financiamento de investimentos se tornaria mais caro, prejudicando seu volume e o crescimento econômico, além do que um consequente aumento da taxa de câmbio seria inflacionário.

Se nomeasse o seu Posto Ipiranga, Lula seria poupado de problemas como os que criou na semana passada. Se o nomeado errasse, poderia ser advertido ou até demitido.

O tema macroeconômico do momento é a chamada Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que permitiria ao governo ampliar seus gastos além do teto cada vez mais alto, agora principalmente para pagar o aumento permanente do Auxílio Brasil, de R$ 600 por mês. Fala-se que essa PEC envolveria um gasto adicional em torno de R$ 170 bilhões. O assunto está sendo tratado às pressas por auxiliares de Lula, com o objetivo de pagar essa promessa eleitoral já em 2023, para o que será necessário aprovar essa PEC até o fim deste ano.

Recentemente, a discussão do assunto se estendeu a duas outras PECs. Uma teve a autoria de uma equipe técnica composta por oito especialistas do Tesouro Nacional e pode ser consultada em https://publicacoes.tesouro.gov.br, no link Edição Atual. A outra PEC foi formulada por especialistas em finanças públicas fora do governo federal, liderados pelo economista Felipe Salto, atual secretário da Fazenda do Estado de São Paulo e ex-diretor executivo da Instituição Fiscal Independente, do Senado Federal. Ele gentilmente me enviou uma cópia do texto, ainda em fase de revisão. Ambas as PECs procuram estabelecer regras permanentes para a gestão fiscal federal, tendo como parâmetro a evolução da dívida pública.

Creio que a discussão do assunto no Congresso Nacional deveria examinar também essas duas alternativas, e já envolvendo neste debate o Posto Ipiranga designado por Lula, conforme argumentei aqui. Este assunto é muito sério e de seu encaminhamento depende a gestão fiscal do novo governo. Para que seja encaminhado por bons atores, vale advertir que, em síntese, um objetivo central do governo Lula deve ser o de não criar condições econômicas, políticas e sociais que ensejem o retorno de Jair Bolsonaro.

*

ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR 

Opinião por Roberto Macedo
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.