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Opinião|Mais um ano ruim de outra década perdida

No buraco onde caiu, a economia apenas rasteja vagarosamente rumo à superfície

Atualização:

O título acima talvez surpreenda leitores focados no noticiário de curto prazo, que enfatiza recuperação econômica em andamento e melhor desempenho no próximo ano. Darei outra visão, a de que essa recuperação é muito fraca, a melhoria em 2019 não está garantida e a situação econômica do País é má há quatro décadas. E de que a sociedade em geral e, em particular, sua classe política precisam cair nessa dura realidade para tomar juízo. Encarar de fato os problemas, com mobilização social buscando sua solução, sem a tradicional procrastinação, que constitui o traço marcante dos políticos ao enfrentá-los, além de contribuírem para agravá-los, num processo que alcançou o Poder Judiciário na sua expressão maior, o Supremo Tribunal Federal (STF).

Começando pelo curto prazo, com um empurrão da propaganda governamental houve exagerada ênfase no fim da recessão, na sua definição técnica, após divulgadas taxas positivas de variação do produto interno bruto (PIB) no primeiro e no segundo trimestres de 2017. Vieram depois de taxas negativas nos oito trimestres anteriores, que no seu conjunto, e por sua contundência, reduziram em 3,5% o PIB de 2015, e em 3,3% o de 2016. Mas as citadas taxas trimestrais de 2017, que seguiram positivas até o terceiro trimestre deste ano (o último dado disponível), no seu conjunto foram muito fracas. Assim, o aumento do PIB foi de apenas 1,1% em 2017 e as previsões estão perto de só 1,3% a mais em 2018, números claramente distantes de superar as enormes perdas de 2015 e 2016.

Mas o noticiário econômico atenta menos para esse fato de que o País permanece até hoje numa depressão, crise ou buraco de natureza econômica, com sérias implicações sociais, em particular a forte expansão do desemprego. Em números redondos, nessa depressão ele aumentou de cerca de 6 milhões para 12 milhões de pessoas, ou de 6% para 12% da população economicamente ativa, e está perto disso até hoje, o que também confirma a continuidade da depressão.

Mas o que é a recessão que terminou? Uma convenção entre economistas diz que a recessão começa quando o PIB mostra variações negativas em dois trimestres consecutivos, o que se verificou no início de 2015. E termina se a variação do PIB passa a positiva em dois trimestres consecutivos, o que, como visto, veio nos dois primeiros de 2017. É convenção, mas falar sobre o fim de uma recessão apenas nesses termos é uma enorme distorção. O que isso trouxe foi apenas um pequeno sucesso diante do enorme desastre que é a continuidade da depressão. Com o crescimento que o PIB mostrou em 2017 e o previsto para este ano, pode-se dizer que no buraco onde caiu a economia apenas rasteja vagarosamente rumo à superfície.

Também é raramente ressaltado que nosso PIB está numa estagnação próxima de completar quatro décadas. Estagnação não é crescimento nulo, mas muito fraco e não condizente com as necessidades e potencialidades de um país. Em artigo recente, o professor Delfim Netto, sobre os últimos 20 anos, assinalou que nosso PIB por habitante cresceu apenas 1,1% ao ano. Acrescento que nos últimos quatro anos esse PIB por habitante caiu. É assunto que também permanece carente da atenção da sociedade e dos políticos.

Quanto a 2019, as previsões são de um aumento perto de 2,5% do PIB. A propósito, vale lembrar que 2018 começou com número semelhante, mas, entre outros fatores negativos, vieram a greve dos caminhoneiros e as incertezas quanto ao resultado da eleição presidencial, que abalaram as expectativas dos agentes econômicos quanto ao futuro do Brasil, prejudicando suas decisões de consumir e investir.

Tudo dependerá (e muito!) do governo Bolsonaro. Focado na gravíssima situação econômica do País, entendo que suas decisões devem seguir principalmente a análise de seus custos e benefícios econômicos, de olho no seu impacto no crescimento do PIB. Sem este bem mais robusto, não serão atendidas carências cruciais da sociedade, como as de muitíssimos empregos a mais, rendimentos bem maiores e grande expansão e melhoria dos serviços públicos.

O governo federal é o maior ente da economia, atuando por si mesmo e pelo que define para a sociedade, com grande impacto sobre o PIB. Bolsonaro conseguiu arregimentar ótima equipe econômica, comprometida com o ajuste das contas públicas, fortemente desequilibradas, em particular na Previdência. Sem esse ajuste, permanecerão incertezas quanto ao futuro da economia, que tanto prejudicam decisões de consumir e investir dos agentes econômicos.

Mas falta combinar com os russos, num Congresso avesso a medidas impopulares, às vezes atuando até via pautas-bomba, que agravam a situação das contas públicas. E sem a capacidade de refletir que, como na saúde, tratamentos contundentes são frequentemente indispensáveis à cura. O País precisa de políticos que realmente façam jus ao título de líderes, capazes de demonstrar que ajustes trarão benefícios ao País, até mesmo para quem hoje os teme, estes sem pensar no bem comum da sociedade e dos próprios descendentes desses opositores.

Às vezes, Bolsonaro vem se perdendo ao cogitar de medidas desnecessárias e de muito mais custos do que benefícios, como a de mudar a Embaixada do Brasil em Israel para Jerusalém. Os custos viriam de retaliações econômicas de países árabes, importantes clientes do País. Os benefícios não consigo enxergar.

Termino com nota de pesar pelo comportamento do STF, aético porque danoso ao bem comum, na troca de um benefício indevido de um modo geral, o auxílio-moradia, só cabível em caráter excepcional, por um carnudo e contagioso reajuste salarial, claramente descabido por ser também inoportuno e de alto custo. Nos benefícios, a troca só alcançou gente já privilegiada neste país de tanta pobreza.

* ROBERTO MACEDO É ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), PROFESSOR SÊNIOR DA USP, CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR