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Opinião|Muito além das aulas de reforço

É preciso implementar avaliações para identificar as lacunas de aprendizagem e, assim, elaborar o planejamento pedagógico.

Atualização:

Com o retorno obrigatório das aulas presenciais na maioria das redes de ensino do Brasil, garantir aprendizagem adequada para todos os estudantes, depois de quase dois anos de escolas fechadas, é urgente. O cenário imposto pela pandemia aprofundou ainda mais as desigualdades, mesmo quando houve ensino remoto adequado. Porém, não podemos subestimar a complexidade da tarefa. O reforço escolar é a estratégia mais falada do momento, mas não é a única. Para impedir o crescimento deste abismo, precisamos de um olhar sistêmico para o problema – chega de balas de prata na educação.

Estamos falando de uma exclusão escolar estimada em 5 milhões de crianças, conforme levantamento do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) em parceria com o Cenpec Educação. As meninas foram as mais prejudicadas com o fechamento das escolas. Estudo da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) aponta que elas foram mais afetadas pela exclusão digital e pelas demandas domésticas, além de relatarem mais estresse, ansiedade e depressão do que os meninos. Temos de lembrar, também, o grave momento de insegurança alimentar ao qual muitas famílias ainda estão submetidas, além das muitas crianças que perderam os pais e ficaram órfãs durante a pandemia.

O primeiro passo para o enfrentamento desta exclusão é a busca ativa escolar, uma estratégia que identifica estudantes em risco de abandono ou que estão fora da escola para reinseri-los no cenário escolar. Em Paulista, cidade localizada na região metropolitana do Recife, a implementação da busca ativa contou com o envolvimento de outras secretarias do município, entre elas a de Saúde. Mais de 600 agentes comunitários ajudaram a identificar os estudantes em risco de abandono ou evasão escolar. Assim como este município pernambucano, 60% das redes municipais de todo o País já estão priorizando a busca ativa, segundo a mais recente pesquisa da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime).

Trazer os estudantes de volta para a escola é tão importante quanto mantê-los nela. Sabemos que, em 2020, 75% dos estudantes estavam tristes, ansiosos ou irritados (Pesquisa Itaú Social, Fundação Lemann e Imaginable Futures). Por isso, precisamos considerar o acolhimento socioemocional deles, assim como de professores e demais profissionais da escola.

Na sequência, outro passo extremamente importante é a avaliação. O Brasil todo se prepara para o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), aplicado num momento de extrema relevância, para termos um retrato do desempenho e dos resultados da educação durante a pandemia. Esta edição irá gerar muita aprendizagem e subsídios para futuras estratégias das redes com foco no desempenho.

Independentemente do Saeb, as redes precisam implementar avaliações diagnósticas para identificar lacunas de aprendizagem dos estudantes no retorno e, a partir delas, elaborar seu planejamento pedagógico. Ferramentas como os Mapas de Foco da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) apoiam a necessária flexibilização curricular, chave para encararmos um ano letivo desafiador, que precisa seguir e também suprir as lacunas de aprendizagem decorrentes do período em que as escolas estavam fechadas.

No entanto, é impossível compensar toda a perda com a carga horária de antes da pandemia. Além dos esforços de ampliação de jornada nas escolas, o ensino híbrido é um caminho possível, desde que todos os estudantes tenham infraestrutura e equipamentos adequados de conectividade e aprendizagem.

Uma escola com estrutura adequada precisa ter computadores e conexão com velocidade acima de 20 Mbps (velocidade razoável para aprendizagem) para receber crianças e adolescentes no contraturno escolar, visando a recompor as aprendizagens perdidas. Professores tutores também são fundamentais para orientar essas turmas em todas as etapas da escola, especialmente no Fundamental II.

A realidade brasileira nos mostra que poucas escolas têm essas condições de espaço físico e infraestrutura, tampouco colaboradores suficientes para essa tarefa – o modelo escolar brasileiro funciona em dois ou mais turnos, ao contrário dos demais países do mundo. Parcerias com organizações sociais e outros espaços públicos no território devem ser articuladas com o apoio de mediadores\/educadores dessas instituições, como ocorre em países como a Alemanha e a Colômbia, em localidades onde a comunidade precisa atuar na melhoria da aprendizagem de suas crianças.

O acompanhamento pedagógico para garantir a aprendizagem dos estudantes deve ser adotado como política nas redes de ensino brasileiras, de forma a mitigar o grande número de estudantes que não aprenderam o esperado para sua idade, desafio que antecede a pandemia. Todas essas ações devem estar afinadas num só propósito: promover a equidade na educação. Não há qualidade em uma rede, em uma escola, sem equidade.

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