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Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e ex-embaixador do Brasil em Londres (1994-99) e em Washington (1999-2004), Rubens Barbosa escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|O Brics numa nova etapa

Grupo não deverá se dividir nem desaparecer. A duração da guerra na Ucrânia e a evolução geopolítica global vão influir no seu futuro.

Atualização:

O Brics, grupo de países que inclui o Brasil, a Rússia, a Índia, a China e a África do Sul, reuniu-se em junho pela 14.ª vez, em nível presidencial, virtualmente, em Pequim. Precedido de reunião de chanceleres, o encontro buscou aumentar a parceria entre o grupo e atuar por uma nova era para o desenvolvimento global, com base em três pilares: governança global, economia e comércio e interação da sociedade civil.

O peso crescente das economias emergentes e em desenvolvimento encontrou no Brics uma representação que tenderá a se tornar, numa visão de médio e de longo prazos, cada vez mais visível no cenário internacional. Duas das três maiores economias do mundo (China e Índia), uma das duas maiores potências nucleares (Rússia) e um dos maiores produtores agrícolas globais (Brasil) fazem parte do grupo. O Brics, além de representar um fator de dinamismo econômico no cenário internacional, contribui para a geração de empregos e renda nos países-membros. Criado há 16 anos, o grupo, que não deve ser identificado como uma aliança política, tem contribuído para ampliar o conhecimento mútuo e as oportunidades de cooperação entre as respectivas economias, por meio de centenas de reuniões técnicas anuais.

O Brics passou a viver, desde fevereiro, um momento delicado pelo fato de um de seus membros estar envolvido num conflito militar de grande repercussão e alcance. Seria estranho se a crise não fosse tratada na reunião presidencial de Pequim, mas referência direta à guerra na Ucrânia foi evitada pelo Brasil, assim como pela Índia e pela África do Sul. Há uma referência direta ao conflito no comunicado final, notando que a situação na Ucrânia foi discutida, que foram lembradas as posições nacionais expressas nos fóruns apropriados – nomeadamente, o Conselho de Segurança da ONU e a Assembleia-Geral das Nações Unidas – e que foram apoiadas as conversações entre a Rússia e a Ucrânia.

A China e a Rússia usaram a reunião de cúpula anual do Brics para criticar os países do Ocidente e as sanções aplicadas contra Moscou em razão da guerra na Ucrânia. O grupo deveria “assumir a responsabilidade” e trabalhar pela “igualdade e justiça” no mundo, disse o presidente chinês, Xi Jinping, em seu discurso de abertura. Ele apelou para que os países do Brics se oponham às sanções impostas pelo Ocidente. Xi já havia feito comentários semelhantes, pouco antes, no fórum empresarial do Brics, quando disse que as sanções eram “um bumerangue e uma espada de dois gumes” que afetavam todos os países do globo e advertiu contra a “expansão de alianças militares”, como vem ocorrendo com a Otan, com a inclusão da Suécia e da Finlândia.

O presidente russo, Vladimir Putin, por sua vez, culpou “ações impensadas e egoístas de certos países” pela crise econômica global e disse que “cooperação honesta e mutuamente benéfica” seria a única saída para essa crise. “Esta situação de crise que se configurou na economia global devido às ações impensadas e egoístas de certos Estados que, usando mecanismos financeiros, essencialmente transferem a culpa por seus próprios erros de política macroeconômica para o mundo inteiro”. O líder russo também afirmou que a autoridade e a influência do Brics em nível mundial estariam “aumentando constantemente” à medida que os países-membros aprofundavam sua cooperação e trabalhavam para “um sistema verdadeiramente multipolar de relações interestaduais”. No fórum empresarial do bloco, Putin havia ressaltado o aumento de parcerias comerciais e da exportação de petróleo russo para países do Brics.

Para o Brasil, segundo Bolsonaro, o Brics é um modelo de cooperação com ganhos para todos, inclusive para a comunidade internacional, e, por isso, as prioridades devem ser escolhidas com responsabilidade e transparência.

Embora enfatizando que o grupo não pretende lutar contra ou substituir as organizações multilaterais, no comunicado final, os países-membros consideram importante somar esforços para tornar as instituições multilaterais, políticas e econômicas, mais eficazes, transparentes e democráticas. Menciona-se de forma especial a reforma do Conselho de Segurança da ONU, com vistas a torná-lo mais representativo, eficaz e eficiente, e para aumentar a representação dos países em desenvolvimento de maneira que possa responder adequadamente aos desafios globais. China e Rússia reiteraram a importância que atribuem ao status e ao papel do Brasil, da Índia e da África do Sul nos assuntos internacionais e apoiam sua aspiração de desempenhar um papel mais importante na ONU.

Por iniciativa da China, foi discutida a possibilidade de expansão do número de participantes. Sem contar com o apoio do Brasil e da Índia para o aumento de membros do grupo, os países decidiram continuar as discussões e esclarecer os princípios, critérios e procedimentos para o exame do processo de adesão. Tendo em vista as incertezas que cercam a evolução do Brics em razão da crise militar com a Rússia e seus possíveis desdobramentos, não parece oportuna agora a discussão sobre a expansão do número de seus membros.

O Brics não deverá se dividir nem desaparecer. A duração da guerra na Ucrânia e a evolução geopolítica global vão influir nas etapas futuras do grupo.

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PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS E COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE)

Opinião por Rubens Barbosa
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