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Economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP, consultor econômico e de ensino superior, Roberto Macedo escreve na primeira e na terceira quinta-feira do mês na seção Espaço Aberto

Opinião|O Dia da Independência e o Dia do Território Nacional

Comemoração do 7/9 foi sequestrada; a da reabertura do Museu do Ipiranga foi autêntica, e a expansão territorial carece de mais atenção.

Atualização:

O segundo dia do título é proposta que virá mais à frente. Começo pelo bicentenário da Independência, ocorrido na semana passada. A comemoração oficial, liderada pelo presidente da República, que deveria ter enaltecido o enorme significado da data e dos personagens da Independência, foi por ele sequestrada e substituída por palavrório eleitoral para arregimentação de apoiadores. Usando a linguagem habitualmente inapropriada e abjeta do presidente, foi brochante.

No Rio de Janeiro, ocupando a primeira fila do palanque presidencial, a das autoridades, estavam o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, e, como penetra, o empresário Luciano Hang, com seu usual traje verde e amarelo, que lembra um papagaio. Rebelo de Sousa estava visivelmente incomodado. Recorrendo novamente ao baixo calão de linguagem, ele estava mais por fora que umbigo de vedete – expressão de meados do século passado, quando vedetes eram populares pelo seu trabalho nos teatros de revista do Rio de Janeiro.

Antes da comemoração do bicentenário assim ofuscada, o noticiário teve historiadores falando sobre a data, às vezes de forma revisionista, como no caso da famosa pintura de Pedro Américo do grito do Ipiranga. Foi dito, por exemplo, que os muitos e belos cavalos presentes na pintura substituíram mulas, mais rústicas e adequadas ao trajeto da Serra do Mar que trouxe Dom Pedro e sua comitiva à cidade de São Paulo.

No Ipiranga, a comemoração foi de fato autêntica, em sintonia com o espírito desta data nacional e com a grande reforma e a reabertura do museu de mesmo nome, fechado por muito tempo e, agora, com instalações renovadas e novas atrações. Registre-se o papel do ex-governador de São Paulo João Doria na concepção do projeto e na sua conclusão no prazo determinado. Estive lá muitos anos atrás, achei tudo muito interessante, e pretendo nova visita para apagar de vez da mente a comemoração bolsonarista.

Aspecto da história do Brasil pelo qual me interesso há tempos é a enorme ampliação do território nacional, carente de maior atenção dos brasileiros. Quando Cabral aqui aportou, este espaço estava fadado, pelo Tratado de Tordesilhas (1494), a ter apenas menos da metade do tamanho que tem hoje. A quem quiser saber como o avanço territorial aconteceu, recomendo o livro Navegantes, bandeirantes e diplomatas, do também diplomata Synesio Sampaio Goes Filho.

No meu entendimento, a vinda em 1808 do então rei de Portugal, Dom João VI, teve também um importante papel na consolidação do atual espaço brasileiro, pois estabeleceu aqui um governo central cujo poder, fortalecido após a independência, teve capacidade de enfrentar insurreições regionais que poderiam ter levado à repartição territorial. Aprendi, também, num seminário realizado na Universidade de São Paulo alguns anos atrás, com participantes do consulado espanhol em São Paulo, que entre 1580 e 1640 Portugal esteve unido à Espanha, que não ofereceu restrições ao avanço da ocupação brasileira para o lado espanhol do tratado citado. Depois, a Espanha se envolveu em guerras na Europa que comprometeram sua capacidade de oferecer resistência à divisão da América espanhola em 19 países, pois não teve governo centralizado e forte na região, enquanto Portugal deixou aqui um único e enorme país.

Tanto Portugal como a Espanha, em boa posição relativamente ao Oceano Atlântico, viram facilitadas suas descobertas nas direções oeste e sul, chegando até as Índias na esteira de Vasco da Gama. Mas isso gerou o que os economistas chamam de deseconomias de escala, pois descobriram mais do que poderiam manter. Certa vez, fui parar em Macau, ex-colônia portuguesa na China, em busca de traços dessa colonização portuguesa. Mas o que vi foram poucos locais de nome português e ninguém falando a língua. Lembro-me também de ter visto o que sobrou de uma grande igreja católica: apenas a parede da fachada.

Neste contexto, sugiro a criação do Dia do Território Nacional, e vejo Dom João VI merecedor de estátua em Brasília, pelo seu papel na consolidação do espaço brasileiro, valendo também lembrar que trouxe aqui seu filho Pedro, que declarou a independência, e deixou um império que durou até 1889. Consultando a internet, a vinda de Dom João VI não foi tarefa simples e barata, pois trouxe grande parte de sua corte numa viagem que exigiu cerca de 35 embarcações, e teve grande ajuda da Inglaterra. Quanto à quantidade de pessoas que elas trouxeram, vi números em torno de 10 mil pessoas, mas não me pareceram confiáveis. O certo é que veio muita gente, e deve ter sido muito difícil e custoso transportá-la e acomodá-la. Também vieram mantimentos e o ouro da corte. Dom João VI partiu em 29/11/1807 e só chegou a Salvador em 22/1/1808, indo logo depois para o Rio.

E veio fugindo de Napoleão, prestes a invadir Portugal. Ouso apresentar outra proposta, esta com risco de controvérsia. Napoleão também mereceria uma estátua, pois foi quem espantou Dom João VI de Portugal, empurrando-o para sair e chegar ao Brasil.

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ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR 

Opinião por Roberto Macedo
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