Foto do(a) page

Conheça o Espaço Aberto na editoria de Opinião do Estadão. Veja análises e artigos de opinião em colunas escritas por convidados e publicadas pelo Estadão.

Opinião|O fim da globalização e a guerra comercial China x EUA

É fundamental que o Brasil retome postura de maior neutralidade nessa briga de gigantes

Atualização:

As dificuldades criadas pela pandemia reacenderam ameaças de uma crise de maiores proporções para a economia mundial nos próximos anos. Em excelente palestra, o famoso gestor de fundos Ray Dalio afirma acreditar que estamos enfrentando uma terceira grande crise mundial, cujas principais causas foram: 1) Redução do efeito no crescimento econômico promovida pela expansão da oferta de crédito subsidiado pelos bancos centrais em 2008; 2) aumento das disparidades na distribuição de riquezas entre nações; 3) confronto entre EUA e China, com a volta de uma eventual guerra comercial; e 4) evolução da epidemia da covid-19 no início de 2020. Acrescentaria a esses fatores o fim dos grandes benefícios produzidos pela globalização, como o aumento de produtividade e a integração das economias. O desenvolvimento das grandes cadeias globais de produção transformou o mundo numa montadora de eficiências, com base nas vantagens comparativas entre países. O processo propiciou ao mundo melhora qualitativa e desinflacionária nas últimas décadas, abrangendo todos os setores – de produtos básicos, industrializados e serviços. Contudo o grande choque de oferta, aliado às dificuldades pós-crise de 2008, resultou em escalada protecionista entre blocos e países. A tendência ganhou destaque a partir de 2018, ao alcançar as duas potências econômicas mundiais, EUA e China. A contínua elevação das barreiras tarifárias ameaçou os grandes benefícios da globalização, tendo como resultados iniciais a perda de ritmo da economia mundial, mais notadamente em setores mais dependentes do comércio exterior, como a indústria. Diante dos danos observados, os dois países avançaram nas negociações em torno de uma trégua comercial. No entanto, depois da promissora assinatura da primeira fase do acordo, a crise da covid-19 minou essa incipiente acomodação das tensões entre os dois países. A perda dos benefícios da globalização vem acompanhada de outros riscos ligados ao momento atual, como o renovado excesso de liquidez dos mercados financeiros internacionais. A persistência de taxas de juros excepcionalmente baixas soma-se agora a novos impulsos monetários em praticamente todas as principais regiões e a vigorosos estímulos fiscais dos governos. Embora sejam políticas compreensíveis, dada a necessidade de superação da crise epidêmica, contribuem com a disfuncionalidade da formação dos preços de ativos, ou seja, estes refletem mais o excesso de liquidez do que os fundamentos econômicos, podendo provocar até o surgimento de bolhas ou, no limite, de um novo ciclo inflacionário. Para a volta ao cenário de crescimento e reconstrução, dependemos inicialmente do controle da pandemia. Mesmo assim, o crescimento em 2021 será baixo por causa do atual cenário da incerteza, gerado pelo recrudescimento das disputas comerciais entre importantes países e blocos. E como fica a economia brasileira nesta crise e na guerra comercial? Quais seus efeitos no nosso cenário econômico? Nossa atual política internacional, com forte identidade com o governo do presidente Trump, nos traz riscos pela forte dependência que temos da demanda chinesa. Para explicitar esses riscos, vejamos dados da balança comercial do Brasil com a China. Em 2019 exportamos US$ 62,8 bilhões e importamos US$ 35,2 bilhões, com saldo positivo de US$ 27,6 bilhões. O inverso se dá com EUA, para onde exportamos US$ 29,5 bilhões e importamos US$ 30,1 bilhões, saldo negativo de U$$ 600 milhões. Isso mostra claramente que nossa política externa deve se abster de provocações ao gigante chinês, que seriam danosas para nossos interesses econômicos. Com relação às conquistas da China na corrida pela liderança da economia mundial, vejamos sua evolução entre 2000 e 2018: seu PIB em 2000 era de US$ 1,21 trilhão, passando em 2018 para US$ 13,6 trilhões, um crescimento de mais de 11 vezes. Sua renda per capita, que em 2000 era de US$ 959, atingiu US$ 9.760 em 2018. Mesmo que esse ritmo de crescimento seja amenizado nos próximos anos, já houve uma aproximação importante do PIB norte-americano, que atingiu pouco mais de US$ 20 trilhões em 2018. É esperado que dentro de alguns anos o PIB da China se torne o maior do mundo. Quanto à guerra tecnológica, sem dúvida os Estados Unidos ainda têm uma vantagem em relação à China. Todavia os avanços da tecnologia chinesa também põem em risco essa hegemonia, a exemplo da grande disputa na revolução dos meios de comunicação pelo sistema 5G, em que, pelo visto, a guerra está de igual para igual. Enquanto isso, o Brasil tem participado dos atuais confrontos políticos entre China e EUA com uma clara tentativa de apoio ao governo Trump, baseado nos preceitos ideológicos defendidos por Olavo de Carvalho. No relacionamento e nos acordos bilaterais e multilaterais entre países, sempre deverão prevalecer os interesses econômicos, e não ideológicos. É fundamental que o Brasil compreenda isso rapidamente e retome uma postura de maior neutralidade nessa disputa entre gigantes.

* NATHAN BLANCHE É SÓCIO-DIRETOR DA TENDÊNCIAS CONSULTORIA INTEGRADA