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Opinião|O papel do Brasil na nova liderança do Banco Mundial

David Malpass pode significar a paralisação de programas que são do interesse do País

Atualização:

Após a surpreendente demissão de seu presidente, a nova liderança do Banco Mundial pode se tornar uma oportunidade para o maior banco multilateral de desenvolvimento fortalecer o seu impacto. Além do combate à pobreza, a instituição deve colaborar com todos os países para enfrentar a mudança climática, as disparidades de renda e os obstáculos à infraestrutura e ao comércio internacional – todas essas questões causam preocupação no Brasil. Mas a realização desse programa poderá ficar paralisada se o candidato indicado pela administração dos Estados Unidos para a presidência do banco, David Malpass, for empossado no cargo sobretudo para dar um passo atrás em relação às mudanças climáticas e inspecionar a ascensão da China.

Assim como outros países de renda média, o Brasil tem grande interesse na liderança do banco. A indicação de Malpass reforça a tradição de um americano sempre liderar o Banco Mundial e um europeu presidir o Fundo Monetário Internacional. A adoção desse método para escolher o diretor de uma agência multilateral é profundamente imperfeita, até porque essas instituições aconselham os países a implementar uma governabilidade competitiva e meritocrática.

A questão é se o Banco Mundial, com 189 países-membros e 15.000 funcionários, pode se situar acima da política e aproveitar este momento de mudança. A abordagem desse tema pela instituição terá consequências de longo alcance, levando em conta o tamanho predominante de seus empréstimos – US$ 67 bilhões em 2018. Coube à América Latina a maior parcela de financiamentos não concessionais, enquanto a África prevaleceu entre os concessionais. Nos últimos 70 anos o Brasil contou com o segundo maior empréstimo cumulativo do banco, de US$ 60 bilhões, combinando ambos os tipos – enquanto a Índia se tornou o país mais favorecido.

Avaliações independentes mostram os êxitos e fracassos do apoio do Banco Mundial aos países. Ao longo do último quarto de século a pobreza extrema no mundo caiu mais da metade. A China lidera o declínio da pobreza, embora tenha apresentado um aumento acentuado da desigualdade de renda. No Brasil, após a melhoria nos anos 2000 em relação aos elevados níveis históricos, a pobreza e a disparidade de renda vêm piorando mais recentemente.

Uma parte do crescimento e da redução da pobreza pode ser creditada ao apoio do banco às reformas para a abertura comercial e do mercado. No entanto, a instituição também deve assumir parcela da culpa pela dispendiosa negligência com o meio ambiente e as mudanças climáticas que acompanhou a taxa de crescimento. Uma preocupação com Malpass, que tem sido cético no tocante às ações climáticas, é que ele poderá não pôr em prática o plano do banco de emprestar US$ 200 bilhões para o combate às alterações no clima, nos próximos cinco anos.

A agenda de desenvolvimento de um banco global deve concentrar-se principalmente nos problemas “públicos” globais, como saúde, educação, infraestrutura, recursos hídricos e mudanças climáticas, áreas em que há insuficiência de investimento privado. Um conjunto de notas sobre políticas lançadas pelo banco em 2018 abordou as prioridades do Brasil nessas cinco áreas, além de 14 outras, incluindo sustentabilidade fiscal, reforma previdenciária, criminalidade e violência.

Ao longo dos anos o Banco Mundial distanciou-se do “Consenso de Washington”, que recomendava práticas de livre mercado, ignorando o papel complementar do Estado e do mercado, assim como a importância de considerar fatores nacionais específicos na formulação de políticas. Agora se acredita que, além da redução da pobreza, devemos cuidar do meio ambiente e restringir a desigualdade. O risco é que esse avanço possa ser revertido sob o novo candidato.

Essas observações sugerem que para se manter relevante o Banco Mundial necessita combinar financiamento com suas habilidades e experiência na racionalização de problemas como a rápida urbanização, mudanças demográficas alarmantes, crescentes disparidades de renda e alterações climáticas. Melhorar a governabilidade e o combate à corrupção são balas de prata garantidas para o avanço nessas áreas. A indicação de Malpass, há muito tempo crítico dos empréstimos do Banco Mundial à China, parece fazer parte das medidas tomadas pela administração para excluir esse país e até mesmo outras economias de renda mais alta. No entanto, a permanência dos países de renda mais elevada como clientes pode agregar valor, não necessariamente para tomar empréstimos, mas no compartilhamento das lições extraídas ao longo de seu percurso de desenvolvimento, tornando-se um aprendizado precioso para todos.

Um meio para o Banco Mundial enfrentar a próxima onda de desafios do desenvolvimento, independentemente de quem seja o novo presidente, é fortalecer o seu conselho administrativo com líderes de desenvolvimento altamente conceituados dos países-membros, com peso intelectual e político, que possam fornecer análises e balanços à presidência. Para que a escolha da administração dos EUA não leve o banco a atender sobretudo aos interesses americanos, a sua independência precisa ser amplamente reforçada. Em contrapartida ao presidente, que rege o conselho, seus atuais 25 membros devem proporcionar uma liderança coesa.

Temos consciência de que o novo presidente do Banco Mundial herda uma organização capaz, dotada de habilidades profundas em múltiplas áreas de desenvolvimento valiosas para o Brasil. Mas para cumprir o seu mandato a instituição deve se concentrar nos problemas públicos globais críticos, combinar a oferta de financiamento com conhecimento e ampliar sua cobertura nacional.

*EX-DIRETOR DO BANCO MUNDIAL NO BRASIL, É AUTOR DE ‘O BRASIL VISTO POR DENTRO’ E-MAIL: VNDTHOMAS91@YAHOO.CO

Opinião por VINOD THOMAS