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Opinião|Pacificação, programa de governo e o voto contra

É impertinente e inadequado dizer-se de esquerda, direita ou centro. Vale o ‘resultado’ das políticas públicas.

Atualização:

Este artigo tratará de obviedades, mas é interessante notar como elas devem ser relembradas. Serão pontos que chamam a atenção.

Primeiro ponto: o eleitor acostumou-se ao voto “contra”. Vota a favor para estar “contra” a outra candidatura. Não vejo voto a favor de um projeto. Aliás, não há projetos. Tornou-se tudo muito personalizado. Voto em “a” ou em “b”. E só. É claro que não falo das propostas do tipo “sou a favor da educação”; “tenho preocupação com a saúde”. Falo de propostas concretas do tipo “estou fazendo estudo para abrir milhões de vagas do ensino em tempo integral”; “estudos para construção de dezenas de hospitais para atender aos vulneráveis”. Em Segurança Pública, “restabelecer o ministério para coordenar o combate à insegurança em todo o País”. São exemplos de propostas concretas que o eleitor conhecerá e perguntará: quem é o autor deste projeto? Voto nele, projeto, representado pelo candidato “x”. Este fato eleva o debate político no País.

Outro ponto é o da pacificação nacional. Temo ser repetitivo neste tema, mas o objetivo deve ser permanentemente relembrado. Até porque essa é a determinação constitucional.

Aqui, convém fazer distinção entre vontade primeira e vontade constituída. Por vontade primeira, inaugural e inicial, há que lembrar que só é autoridade quem tem poder. E a Constituição estabelece que “todo poder emana do povo”. Ele é o titular do poder. Aliás, quando a Constituinte de 1987/1988 se reuniu para reconstruir o Estado brasileiro, escreveu na Carta Magna a vontade do povo, representante que era dela. A partir daí é que nascem as autoridades constituídas e, porque tais, são secundárias, devendo prestar obediência rigorosa à vontade constituidora, que é retratada no texto constitucional. Como constituídas, secundárias, não podem ultrapassar, com seus atos, as determinações do único titular do poder. Presidente da República, governadores, prefeitos, deputados, senadores, ministros dos tribunais são, todos, autoridades constituídas. Dou exemplos concretos: o preâmbulo da Constituição determinou aos constituintes que firmassem, no novo Estado, a pacificação interna e internacional. E no texto encontramos regras como a que determina a igualdade de todos, sem nenhum preconceito. Ou seja, unam-se todos independentemente do sexo, raça, credo político ou religioso. No plano internacional, a Constituição estabelece que os artefatos nucleares só podem ser utilizados para fins pacíficos. Outro exemplo: como o povo não se pode reunir em praça pública para legislar, executar e julgar, cria órgãos do poder para tais tarefas. Claro que isso vem de longe. Desde o Barão de Montesquieu. E vem sendo repetido. Se, de um lado, são independentes, devem agir em harmonia. Independência significa competências próprias, administração e orçamentos próprios. Harmonia surge do diálogo entre os Poderes, do respeito mútuo e da impossibilidade de interferência. Se há desarmonia, há inconstitucionalidade, em razão da desobediência à vontade primeira que já enunciamos. Tudo isso demanda compreensão de que o texto constitucional é que nos comanda.

Outro ponto: não é preciso falar em grupo ou centro democrático. Basta ler o artigo 1.º da Carta Magna: “O Brasil é um Estado Democrático de Direito”. Nada que viole os princípios democráticos pode ser admitido. E vejam, para exemplificar, que o artigo 5.º elenca 79 incisos asseguradores dos direitos individuais. Que nem sempre são assegurados.

É neste passo que devo registrar a absoluta impertinência e inadequação dos que se dizem de esquerda, direita ou centro. Vale o resultado das políticas públicas, não importa de que corrente venham. Aliás, elas não são mais do que eleitoreiras. Pergunte a quem passa fome se ele é esquerda, direita ou centro, e ele dirá: quero um pão. A quem não tem emprego, que responderá: quero um emprego. À classe média mais carente: quero preços baixos no supermercado. Portanto, resultado. Este é que importa.

Não foi sem razão que Deng Xiaoping, ao assumir a junta governativa na China, em 1979, disse da necessidade de o governo patrocinar financeiramente as empresas, ao que um dos membros presentes disse: “Mas isso é capitalismo”. Disse Deng: “Não importa, aqui será socialismo chinês. O que importa é o resultado. São elas que dão emprego ao povo”.

Daí ser inviável a rotulação na qual muitos ainda insistem.

Finalmente, reitero sugestão já feita em artigos anteriores. O candidato eleito deve, no dia da proclamação do resultado, pronunciar-se à Nação dizendo que é preciso pacificá-la. Para tanto, impõe-se pacto nacional reunindo os que o elegeram e a oposição, além de governadores, chefes de Poderes e sociedade civil. Tenho certeza de que os brasileiros que pensam o Brasil não se oporão. Aplaudirão. O povo quer paz, a que aludem o preâmbulo e o texto constitucional. Não significa que não possa haver divergências de ideias, o que é útil. Nunca, porém, divergências pessoais.

O objetivo será reconstruir o Brasil sem olhar para o retrovisor.

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ADVOGADO, PROFESSOR DE DIREITO CONSTITUCIONAL, FOI PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Opinião por Michel Temer