Foto do(a) page

Conheça o Espaço Aberto na editoria de Opinião do Estadão. Veja análises e artigos de opinião em colunas escritas por convidados e publicadas pelo Estadão.

Opinião|Para além da sustentabilidade

Impactos da covid-19 reforçaram o sentido de urgência das iniciativas abrigadas na sigla ESG

Atualização:

Há mais dúvidas que certezas quanto aos efeitos duradouros que a pandemia provocará. Sentimos de forma difusa que nossa rotina nunca mais será a mesma, mas não sabemos realmente qual será a direção e a intensidade da mudança permanente. Mas é possível afirmar que algumas tendências ganharam impulso especial.

No mundo corporativo, os impactos do coronavírus serviram para reforçar o sentido de urgência das iniciativas abrigadas sob a sigla ESG, de environmental, social e governance, termos usados em inglês para referir os princípios ambientais, sociais e de governança. O conceito ESG representa uma evolução do que nos habituamos a chamar de sustentabilidade. Esta deriva de “desenvolvimento sustentável”, expressão notabilizada em 1987, em relatório sobre estratégias ambientais produzido para a ONU por uma comissão liderada por Gro Harlem Brundtland, ex-primeira-ministra da Noruega.

A noção de sustentabilidade promoveu uma poderosa inflexão na forma de perceber a atividade econômica e suas consequências. Foi justamente porque pôs o foco nos efeitos que ela estabeleceu uma lógica de correção, criando a preocupação de adotar iniciativas positivas para sanar as externalidades negativas da atividade econômica.

Em 2005 a ONU, ela mais uma vez, publicou o documento Who Cares Wins (Quem se Importa Ganha, em tradução ligeira). Foi esse texto que lançou o conceito ESG, consolidando uma espécie de código de conduta para empresas e estabelecendo balizas para que fosse possível, por assim dizer, avaliar o caráter das pessoas jurídicas.

A concepção do ESG representou a consolidação do conceito de sustentabilidade para além da dimensão ambiental, explicitando a relevância das variáveis sociais e de governança, parâmetros da complexidade multifacetada em que se movimentam as organizações e na qual se dão as relações produtivas. Há a presunção crescente de que as empresas com práticas bem alicerçadas nos três pilares ESG tendem a ter melhor desempenho daqui para a frente, numa conta que traz benefícios para a sociedade e ganhos para seus acionistas. A crise do coronavírus torna irreversível a valorização das empresas com esse compromisso.

O que de mais importante o conceito ESG induz é a perspectiva de responsabilidade não mais como correção, mas como premissa e insumo da atividade econômica. A internalização progressiva de novos valores leva à superação da ideia de que o investimento e a produção são antagonistas do interesse geral. Ainda há no mercado financeiro quem considere a onda ESG um modismo, mas ela é o resultado de um processo de décadas que atingiu a maturidade com a pandemia, consolidando as premissas que exigem uma conexão mais profunda entre mercado, Estado e sociedade.

Já existem fundos de investimento dedicados a aplicar recursos exclusivamente em projetos de natureza ESG. E há critérios cada vez mais objetivos para apontar o grau de incorporação de boas práticas nas empresas. E listagens que indicam as companhias que as exercem em nível de excelência.

Muita gente crê que as empresas que adotam a doutrina ESG de maneira mais genuína terão uma recuperação mais consistente da turbulência econômica provocada pela pandemia. Toda essa expectativa reflete, claro, a evolução da sociedade, que vem atentando cada vez mais para a importância de temas como a preservação ambiental, a mitigação das desigualdades sociais e o combate à corrupção.

Trata-se de um movimento que em paralelo acompanha a recuperação, no último quarto de século, do interesse pela Economia Civil, uma abordagem que não se limita, como a Economia Política clássica, a ver a empresa como mera engrenagem anônima de produção, mas a enxerga como agente transformador da coletividade. Costumamos associar as origens das ciências econômicas ao filósofo escocês Adam Smith, mas vale lembrar que 20 anos antes da publicação de seu livro basilar, A Riqueza das Nações, a Universidade de Nápoles, na Itália, já tinha estabelecido a primeira cadeira de Economia da Europa, com o iluminista Antonio Genovesi. Essa cátedra deu origem às Lições de Economia Civil, um dos primeiros trabalhos científicos no campo da economia em que se argumenta que para promover o bem-estar social é necessário investir em educação e conhecimento.

Os processos lentos que amadurecem dentro das organizações econômicas não se improvisam e dificilmente são reversíveis, pois se escoram em parâmetros palpáveis para mensurar o grau de engajamento, preparação e avanço. Como diretor da operadora de telefonia que há mais tempo integra o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da B3, a bolsa de valores brasileira, posso afirmar que a dinâmica ESG representa um impulso intrínseco de melhoria do negócio.

É um percurso contínuo de criação de valor para as empresas e para os investidores, pois, na fronteira sutil entre o bem-estar total e o bem-estar comum, a sociedade pós-pandêmica traçará outro limite, este entre o crescimento e o desenvolvimento.

VICE-PRESIDENTE DEREGULAÇÃO, INSTITUCIONAL E IMPRENSA DA TIM