
30 de dezembro de 2019 | 03h00
Universalmente respeitada pelo profissionalismo e pela competência, a política externa corre sério risco: a perda de credibilidade. Falta direção ao Itamaraty, que não tem postura clara sobre a dimensão do Brasil no cenário internacional.
A eventual admissão do País na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o acordo entre Mercosul e União Europeia não contrariam essa opinião. Primeiro, ainda que positivo, o ingresso na OCDE não nos torna desenvolvidos, a exemplo do México e da Turquia. Segundo, o acordo entre o Mercosul e a União Europeia começou a ser negociado em 1999 e estava praticamente concluído no final de 2018. É, portanto, um caso de política de Estado. Referido compromisso, que ainda necessita de aprovação parlamentar, só foi assinado graças à decisão brasileira de permanecer no Acordo de Paris sobre mudança climática e cumprir as metas ali ajustadas.
A política externa segue, na verdade, como política pública, os mesmos valores que orientam a ação do governo. A alarmante devastação da Floresta Amazônica evidencia concepção superada do desenvolvimento e a defesa da soberania sobre nosso território, alardeada pelo presidente, não figura na pauta diplomática internacional. Dilapidar a natureza reflete concepção estreita do interesse nacional, incompatível com o século 21. A negação de que a mudança do clima é produto dos atos humanos redundou na abstenção do Brasil em assumir compromissos em conformidade com as metas propostas pelo secretário-geral das Nações Unidas. Aliado às razões éticas, políticas e econômicas que nos devem motivar, o Brasil, pelo capital ecológico de que dispõe, precisa reconquistar protagonismo no domínio da proteção ao meio ambiente.
As sucessivas declarações presidenciais ameaçam um dos mais importantes ativos da política externa: a capacidade de despertar confiança. O apreço por regimes autoritários, o elogio a ditaduras e a justificação de violações internacionais dos direitos humanos, além de contrariarem a Constituição, mancham a imagem brasileira no mundo. O discurso proferido na abertura da Assembleia-Geral da ONU neste ano pelo presidente explicita o abismo entre a retórica e a prática; proclamações ufanistas afastaram referências substantivas à política de desenvolvimento sustentável da Amazônia. Afirmações ambientais vagas que não têm prova científica, acusações a adversários internos e a condenação ao suposto colonialismo europeu em relação à Amazônia estão muito abaixo do que era legítimo esperar. A indivisibilidade do meio ambiente, ao contrário da soberania, que se encontra repartida entre os Estados, torna a devastação da floresta assunto de alcance global.
A política externa exibe, de forma preocupante, as características do atual governo:
Afora essas características, que definem o populismo para Jan-Werner Müller, o alinhamento automático do Brasil às posições internacionais da administração Trump, apregoado pelo Itamaraty, despreza o interesse nacional, como prova o anúncio do presidente norte-americano relativo à imposição de tarifas às exportações de aço e alumínio pelo Brasil e pela Argentina. A credibilidade da política externa, consolidada desde a proclamação da República, é subitamente esvaziada do prestígio e da autoridade que longamente acumulou.
* PROFESSOR DE DIREITO INTERNACIONAL DA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
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