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Opinião|Por que o governante não aprende?

A Pátria deseducada precisa de homens da têmpera de Pedro II e Rodrigues Alves

Atualização:

Em 16 de janeiro de 1919 morria Francisco de Paula Rodrigues Alves, presidente da República entre 1902 e 1906. O terceiro paulista depois de Prudente de Morais e Campos Salles. Nascera em Guaratinguetá em 7 de julho de 1848, oito anos depois de Pedro II completar a maioridade. O centenário de morte é uma oportunidade para recordar o papel desse estadista na vida brasileira. E para alertar os governantes – todos eles, em todas as esferas da Federação – de que a educação precisa de mais que recursos financeiros. Precisa de devotamento, algo que só existe no discurso.

Rodrigues Alves talvez se tenha inspirado no imperador Pedro II, que entrava em sala de aula de surpresa e se sentava nas últimas fileiras, assistindo às preleções. Quem é que se recorda de algo parecido neste século? As visitas são apressadas, para inaugurações ou descerramento de placas. Tudo superficial, como é o conteúdo formal das propostas de gestão, coincidentes com a falência da escola pública.

Rodrigues Alves foi excelente aluno em todos os cursos. Na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco era companheiro de Rui Barbosa, de Castro Alves, de Joaquim Nabuco e de Afonso Pena. É mencionado por Joaquim Nabuco no livro Minha Formação como o campeão dos primeiros lugares todos os anos.

Depois de ser promotor público e juiz de Direito, àquela altura por nomeação, e não por concurso, elegeu-se para a Assembleia Legislativa provincial de São Paulo em 1872. Reeleito em 1874, 1875, 1878 e 1879. Abraçou a causa do ensino primário obrigatório, corajosa iniciativa que enfrentava resistências acirradas. 

O opositor Sá e Benevides sustentava que essa causa era a dos socialistas e comunistas. Chamou Rodrigues Alves de comunista, em 1873. Em resposta, o jovem de Guaratinguetá reconheceu que, em França, Talleyrand afirmara que o ensino obrigatório era uma semente perniciosa que afetava grave e mortalmente o pátrio poder e por isso deveria ser rejeitada a proposta de sua adoção. Mas contradisse o adversário afirmando que o princípio do ensino primário obrigatório advém do princípio de estribar a democracia na ilustração e nas luzes do povo. Pretende-se que o ser humano cidadão tenha conhecimento do que significa servir à Nação. E invocou o exemplo da Prússia, onde Frederico I e Frederico II, no século 18, já o haviam adotado.

Num longo e ovacionado pronunciamento assinalou que, se a missão do Estado é proteger a pessoa e a propriedade do cidadão, que perigo maior ameaça o direito de propriedade do cidadão do que a ignorância, mãe de todos os vícios, origem de todos os crimes? Os progressos da instrução farão os delitos decrescer. Difunda-se a educação e o crime diminuirá. É dele o que ainda hoje alguns sonhadores repetem: “Poupa-se em prisões o que se despende em escolas!”.

Educar é obrigação dos pais, mas não é um interesse exclusivo deles. É um interesse de ordem pública, o Estado disso não pode descuidar. “A obrigação do ensino é um princípio natural, justo e legítimo.” Paralelamente à manutenção de ensino primário gratuito, o governo deve zelar para que os pais cumpram a sua obrigação de fazer os filhos frequentá-lo e dele extrair o melhor proveito: “A ação do pai que não manda seus filhos à escola, que não provê a educação dos membros da sua família, não afeta com esta omissão tão somente interesses dos menores, mas também, e gravemente, o interesse da sociedade”.

O ensino público primário sério, consistente, obrigatório protege o futuro da criança, atende aos superiores interesses da sociedade e fortalece o pátrio poder, exaltando sua dignidade. A intenção de Rodrigues Alves era fazer “da escola um templo onde as crianças receberão o batismo que as sagrará na sociedade dos bons cidadãos e bons pais de família”.

Foi ele que tomou a iniciativa de criar na capital a Escola Normal “da praça”, hoje Praça da República e atual sede da Secretaria Estadual da Educação. Ali se formariam os candidatos ao magistério da instrução pública primária. Projeto que foi abandonado e substituído pelas Faculdades de Pedagogia ou de Educação, onde se transmite um conteúdo sofisticado de teorias. Mas não se ensina a ensinar.

A leitura dos debates na Assembleia evidencia que Rodrigues Alves era um espírito emancipado, fulgurante, num ambiente acanhado e incoerente de homens de Estado que apenas incluem a educação em seus projetos para atender em retórica a essa imensa carência brasileira.

Rodrigues Alves manteve-se fiel à causa do ensino durante toda a sua exuberante vida pública. Não da forma precária e quase decorativa que sempre vigorou na História do Brasil, que ficou 300 anos sem saber ler e escrever e hoje continua tatibitate, numa indigência vernacular que envergonha os derradeiros cultores do idioma.

A Pátria deseducada precisa de homens públicos da têmpera de dom Pedro II e de Rodrigues Alves. O imperador era até chamado de “fiscal do ensino”, pois revia aulas, voltando a algumas salas, arguia discípulos, questionava as congregações, imprimia a concursos e exames a solenidade de um rito bíblico. Não confiava nas informações oficiais e não era escravo das avaliações, encaradas como resultado de uma gestão e como cacife eleiçoeiro. Reiterava, convictamente, que a missão de ensinar era a mais importante da sociedade. Uma vez, em visita a Cannes, desabafou: “Se não fosse imperador, quisera ser mestre-escola”. E cuidou de criá-las enquanto esteve à testa do império.

Rodrigues Alves fora monarquista, admirava o imperador e nele se inspirou para abraçar a bandeira com que se vestiu durante toda a sua trajetória. Partilhava da opinião de Leôncio de Carvalho, que, em sua reforma da educação em 1878, apregoava que a liberdade é “o sólido alicerce sobre o qual deve assentar o edifício da educação nacional”.

Olhemos para esses exemplos e nos indaguemos: por que os governantes não aprendem com eles?

*PRESIDENTE DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS, GESTÃO 2019-2020, FOI SECRETÁRIO DA EDUCAÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO (2016-2018)