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Opinião|Queda da carga tributária – sonhar é diferente de poder

Na realidade, é bem possível que tenhamos de aumentá-la nos próximos anos

Atualização:

O ministro da Economia, Paulo Guedes, declarou o desejo de reduzir a carga tributária para 25% do produto interno bruto (PIB). Como lhe restam, em tese, 17 meses no cargo (ou 65 meses se o presidente Jair Bolsonaro for reeleito), a ideia é, no mínimo, ousada. Seria uma queda de oito pontos porcentuais em relação à atual carga de impostos, de 33,1% do PIB, número próximo dos gastos totais anuais do INSS. Na realidade, reduzir a carga tributária é uma tarefa impossível no curto prazo e muito difícil no longo prazo.

Se viável, a meta constituiria enorme mudança para melhor, visto que somos um ponto fora da curva nesse campo, em comparação com outros países emergentes, conforme estudo recente da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A carga tributária média na América Latina e no Caribe em 2019 foi de 22,9% do PIB. Os países mais relevantes da região arrecadam relativamente menos que o Brasil: Argentina, 28,6%; Uruguai, 29,0%; Chile, 20,7%; Colômbia, 19,7%; e México, 16,5%.

O aumento da carga brasileira, que era de 24% do PIB em 1987, decorreu essencialmente de reação aos efeitos da Constituição de 1988 e de crises que demandavam o reforço da situação fiscal. Os gastos federais mínimos com educação foram elevados de 13% para 18% dos impostos. Estados e municípios tiveram mantida a obrigação de gastar pelo menos 25% de seus impostos.

O maior impacto tributário da Carta Magna foi a elevação dos gastos previdenciários totais (INSS e setor público nas três esferas de governo), que passaram de 4% do PIB em 1987 para quase 14% do PIB em 2020. Boa parte disso decorreu da elevação do salário mínimo, que mais do que dobrou em termos reais nos governos Fernando Henrique Cardoso, Lula da Silva e Dilma Rousseff (aumento de 162%). Por último, as despesas de pessoal subiram muito com a instituição do regime jurídico único dos servidores – que agregou ao serviço público federal permanente cerca de 400 mil pessoas sem concurso – e com aumentos salariais de governos do PT.

Do lado das receitas, a Constituição elevou substancialmente a transferência da arrecadação do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) em favor de Estados e municípios, e para a formação de fundos regionais de desenvolvimento. Além disso, 10% do IPI foi destinado a indenizar essas unidades federativas por supostas perdas com incentivos à exportação. No total, a União foi obrigada a transferir 47% do IR e 57% do IPI. Emendas constitucionais elevaram esse benefício para 49% e 59%, respectivamente.

Assim, para financiar os novos gastos criados pela Constituição era preciso arrecadar praticamente o dobro do Imposto de Renda e o triplo do IPI. A saída foi recorrer a incidências não suscetíveis de partilha. Vem daí a criação da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), que pertence 100% à União. Nos momentos anteriores ao Plano Real, a necessidade de emprestar-lhe credibilidade fiscal justificou a criação, por quatro anos, do Imposto Provisório sobre Operações Financeiras (IPMF), o qual foi renovado como contribuição (CPMF). Depois, com o objetivo de reforçar a situação fiscal, surgiu a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide).

Esse processo resultou tanto em aumento da carga tributária como em rigidez de gastos sem paralelo no planeta. Dados do governo federal mostram que os gastos obrigatórios consumiram, em média, 98% da receita corrente líquida entre 2017 e 2019. Isso porque mais de 90% dos gastos federais primários são de natureza obrigatória. Proporção semelhante pode ser observada na maioria dos Estados e municípios.

Se considerarmos os encargos financeiros da dívida pública, que também são mandatórios, a arrecadação das três esferas de governo não é suficiente para atender ao pagamento das despesas totais. Daí por que o setor público opera em constante déficit nominal (diferença entre receitas e despesas, incluindo juros), em torno de uma média de 4,6% do PIB anual nos últimos 20 anos.

Essa situação disfuncional resultou em má alocação de recursos e em redução drástica dos investimentos públicos, o que reduziu fortemente a produtividade e, assim, o potencial de crescimento do PIB, do emprego e da renda. Em boa parte, vem daí a mediocridade do desempenho da economia brasileira nos últimos anos.

O País demanda reformas para diminuir a rigidez do gasto, melhorar a sua qualidade e promover ganhos de produtividade. Mesmo que elas proporcionassem liberação de espaço no Orçamento, este deveria ser aproveitado para elevar os investimentos públicos não substituíveis pelo setor privado e em áreas cruciais para a inovação, como é o caso das de ciência e tecnologia.

Mesmo que viável – o que não é –, a queda da arrecadação deveria ser o último objetivo. Na realidade, é possível que tenhamos de aumentá-la nos próximos anos, principalmente para reduzir a perigosa relação entre a dívida pública e o PIB. O ministro da Economia pode ter a fantasia de reduzir a carga tributária a 25% do PIB, mas sonhar não é poder.

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