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Economista-chefe e sócio da Warren Investimentos, professor do IDP, foi secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo e o primeiro diretor executivo da IFI. Felipe Scudeler Salto escreve quinzenalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Quem parir o monstrengo tributário não o embalará

É preocupante o rumo que a reforma do Imposto de Renda está tomando

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Atualização:

A proposta de reforma do Imposto de Renda (IR) contém pontos positivos. No entanto, como de costume, o governo apresentou as ideias e não está dando a batalha no Congresso. Sem o bom debate e o escrutínio técnico, perderá a oportunidade de conduzir essa reforma.

O deputado Celso Sabino formulou texto substitutivo ao Projeto de Lei n.º 2.337, de autoria do Executivo. Sabino propõe a diminuição da alíquota do Imposto de Renda das empresas (IRPJ) de 15% para 2,5%. Manteve a ideia do Executivo de restabelecer a tributação de lucros e dividendos (alíquota de 20%). Originalmente, o governo havia sugerido apenas cinco pontos porcentuais a menos no IRPJ.

Nas contas apresentadas no projeto de lei, a redução da alíquota de IRPJ, o aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda das pessoas físicas (IRPF), a nova tributação dos lucros e dividendos e as outras mudanças sugeridas teriam efeito fiscal agregado praticamente neutro. Tudo o mais constante, o substitutivo do deputado Sabino, por sua vez, terá efeito negativo. Se o texto substitutivo for aprovado, o governo eleito em 2022 terá uma bomba fiscal nas mãos.

Para ter claro, a combinação de alíquotas proposta por Sabino causará perda líquida de arrecadação ao erário. Isso ocorreria num contexto de déficit público. Não há espaço para fazer cortesia com o chapéu dos outros. Qualquer reforma tributária, neste momento, tem de ser neutra ou positiva para a arrecadação federal. Deve, de preferência, rever as famigeradas renúncias tributárias, que já custam cerca de oito vezes o orçamento anual do Programa Bolsa Família.

Aliás, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Emergencial, aprovada em março, contém dispositivo para obrigar o governo a enviar um plano de redução dessas benesses tributárias. Já lá se vão quatro meses e nada de o plano ser apresentado. Além disso, o texto da referida emenda constitucional, de n.º 109, não prevê nenhuma punição para o caso (provável) de isso ser engavetado pelo Congresso.

Tributar os lucros e dividendos é, a meu ver, uma medida necessária, mas a calibragem do IRPJ tem de ser feita adequadamente. Há ainda o risco de evasão fiscal na “nova” tributação dos lucros, que poderá erodir as estimativas apresentadas inicialmente pela Secretaria da Receita Federal.

Se não for possível melhorar, que não piorem o sistema tributário – um dos mais complexos do mundo. Estamos anos-luz distantes do padrão dos países avançados – e mesmo de certos emergentes – e temos uma tributação do consumo onerosa e confusa, sobretudo com o ICMS (imposto estadual), recolhido na origem e no destino.

No Imposto de Renda, em que as coisas funcionam razoavelmente, é preciso cuidado na hora de mexer. Há estudos sobre a matéria a serem considerados no debate. Não se pode promover uma reforma do IR atendendo a pleitos aqui e acolá. Antes de tudo é preciso ter um norte. O risco de dar bobagem é elevado. O texto substitutivo mencionado é uma singela evidência disso.

Aliás, já começaram a aparecer aqueles argumentos fajutos – desacompanhados de cálculos ou estudos – do tipo “a arrecadação total vai aumentar, já que a redução de alíquotas estimulará a atividade econômica”. Essa história da carochinha precisa ser aniquilada no nascedouro. A recuperação permanente da arrecadação só virá com crescimento econômico. Crescimento de verdade, não o voo de galinha deste ano.

No andar de cima, os mais ricos reclamam do aumento de carga tributária. Ora, o sistema tributário precisa ser mais progressivo, sim, e a atuação do Estado, mais eficiente. A respeito desse ponto, a carga tributária de 33% do produto interno bruto (PIB) não tem ajudado a reduzir a desigualdade de renda com a intensidade desejada porque o setor público gasta mal.

Uma reforma para derrubar os custos de compliance (cumprimento de obrigações junto aos fiscos) ajudaria a melhorar o ambiente de negócios e estimularia a atividade econômica em médio prazo. Ela deveria ser acompanhada de mudanças do lado das despesas, por meio de um processo orçamentário orientado para resultados, na linha dos estudos do professor Allen Schick, da Universidade de Maryland.

Na Instituição Fiscal Independente (IFI), estamos preparando análise sobre o PL 2.337 e o substitutivo. O ofício que enviei ao secretário da Receita, José Tostes, foi rapidamente atendido, sinal da disposição para o diálogo desta ala do governo. Nestes tempos, algo a enaltecer.

Por ora, é preocupante o rumo que a reforma do Imposto de Renda está tomando. A isenção de IRPF para quem ganha até R$ 2.500 por mês já era questionável, pelo custo e pela ausência de mexidas nas outras faixas. Mas a demagogia dessa redução insustentável das alíquotas do IRPJ é lamentável. A tributação de 20% dos lucros e dividendos não evitaria um verdadeiro rombo nas contas públicas.

Parem as máquinas. Vamos discutir o assunto com calma ou nascerá mais um monstrengo tributário para o próximo governo embalar.

DIRETOR EXECUTIVO E RESPONSÁVEL PELA IMPLANTAÇÃO DA IFI. AS OPINIÕES NÃO VINCULAM A INSTITUIÇÃO.

Opinião por Felipe Salto

Economista-chefe e sócio da Warren Investimentos, foi secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo

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