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Advogado e Jornalista

Opinião|Razões para barrar a candidatura de Bolsonaro

Há hipóteses de inelegibilidade. Para garantir o funcionamento do regime democrático, a Constituição manda que seja barrada antes.

Atualização:

A Justiça Eleitoral não tem medo da opinião pública. Em 2018, apesar de intensos protestos, barrou a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva para a Presidência da República. Pesquisas indicavam o ex-presidente Lula em primeiro lugar nas intenções de voto, mas a Justiça Eleitoral não titubeou. No dia 31 de agosto de 2018, seguindo o voto do relator da ação, ministro Luís Roberto Barroso, o plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) rejeitou o registro da candidatura do líder petista, sob o fundamento da inelegibilidade em razão de condenação criminal.

Em outubro do ano passado, o TSE cassou o mandato do deputado estadual eleito pelo Paraná, em 2018, Fernando Destito Francischini, por divulgar desinformação contra o sistema eletrônico de votação. A decisão condenou o deputado por uso indevido dos meios de comunicação e por abuso de poder político e de autoridade, tornando-o inelegível.

As duas decisões foram objeto de severas críticas pelos respectivos apoiadores. Mas não se pode negar que ambas contavam com fundamento constitucional e legal. No capítulo relativo aos direitos políticos, a Constituição de 1988 prevê que, para “proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta”, uma Lei Complementar estabelecerá “outros casos de inelegibilidade”.

Em 1990, o Congresso aprovou a Lei Complementar (LC) 64. Vinte anos depois, alterou alguns dispositivos por meio da LC 135/2010 (Lei da Ficha Limpa). Já constante da redação original, o art. 22 da LC 64/1990 trata do procedimento “para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político”. O mandato de Fernando Destito Francischini foi cassado com base nesse dispositivo. No julgamento, a Justiça Eleitoral reconheceu que o uso das redes sociais para difundir desinformação contra o sistema eleitoral constitui “abuso de meio de comunicação”.

Nos últimos meses, o presidente Jair Bolsonaro tem usado reiteradamente o cargo para atacar a normalidade e a legitimidade das eleições. Já reconheceu que não tem provas, mas, mesmo assim, segue difundindo mentiras e desconfiança sobre o sistema eleitoral. E tudo isso em escancarado benefício próprio. Jair Bolsonaro afirma que, em 2018, teve mais votos do que aqueles que foram computados pela Justiça Eleitoral. Na segunda-feira, dia 18 de julho, em apresentação a embaixadores no Palácio do Planalto, o presidente da República reiterou as afirmações falsas, num inequívoco “abuso do exercício de função”.

Perante essa situação inédita – o chefe do Executivo federal usa o cargo para desmerecer, interna e externamente, o sistema eleitoral brasileiro, sistema este que vem atestando ininterruptamente as vitórias de Jair Bolsonaro desde 1988, antes mesmo das urnas eletrônicas, quando foi eleito vereador da cidade do Rio de Janeiro –, é louvável o esforço da Justiça Eleitoral em combater a campanha de desinformação, ampliando a transparência e o diálogo, reforçando os controles de integridade e gerando informação acessível para toda a população. É louvável o empenho, mas não é suficiente.

Essa insuficiência – a necessidade de medidas mais contundentes – não é fruto de um alarmismo, tampouco de um ativismo judicial. É a própria Constituição de 1988 que estabelece que, em alguns casos, “a fim de proteger (...) a normalidade e legitimidade das eleições”, não basta deixar a decisão para as urnas, que o povo julgue o candidato com o voto. Há hipóteses de inelegibilidade. Para garantir o funcionamento do regime democrático, a Constituição manda que a candidatura seja barrada antes.

Cabe ao TSE ser fiel à Constituição e coerente com sua jurisprudência. No julgamento de Fernando Destito Francischini, a Justiça Eleitoral ressaltou que o caso era especialmente grave tendo em vista que o então candidato a deputado estadual era, em 2018, deputado federal. Houve abuso do cargo público para difundir, em benefício próprio, desinformação contra as urnas eletrônicas. O que dizer, então, de Jair Bolsonaro?

Talvez alguém possa pensar que barrar a candidatura de Jair Bolsonaro à reeleição seja uma medida drástica demais, que geraria mais instabilidade num cenário político já bastante desafiador. Perante esse questionamento, pode-se lembrar três pontos. Em 2018, a Justiça Eleitoral barrou a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva, e as eleições ocorreram normalmente. O TSE e a população têm experiência com medidas drásticas. Em segundo lugar, o que pode ser classificado como drástico ou desproporcional depois do que ocorreu no dia 18 de julho no Palácio do Planalto? Por último, o que pode ser mais drástico para o País do que limitar a força normativa de dispositivos constitucionais que protegem os direitos políticos?

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ADVOGADO E JORNALISTA

Opinião por Nicolau da Rocha Cavalcanti
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