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Opinião|Reflexões sobre o desemprego

Real, cruel e diário, esse pesadelo exige providências enérgicas, objetivas, imediatas

Atualização:

Domenico de Masi, sociólogo italiano, teria adotado como leme de vida a frase “o homem que trabalha perde tempo precioso” (O Ócio Criativo, Ed. Sextante, RJ, 2000). Trabalhar seria apenas “um vício recente”, escreveu em O Futuro do Trabalho (Ed. UnB, Brasília, DF, 1999). Temos, portanto, quase 13 milhões de viciados na ociosidade e à procura de inexistente emprego. Computados diaristas, ambulantes, desalentados e desocupados o número dos sem emprego atinge algo em torno de 25 milhões.

Diferente do que apregoa Domenico de Masi, trabalhar é essencial para o ser humano. Não é vício, mas virtude. É com o trabalho diário e o suor do rosto que homens e mulheres adquirem dignidade, conquistam respeito, conseguem meios lícitos de subsistência e dão conta das obrigações com a sociedade. Trata-se de dever social. A laborfobia, ou vadiagem, é contravenção penal e moléstia contagiosa, caracterizada pela dedicação ao ócio, condenando o doente ao desprezo das pessoas de bem.

Quais as razões do desemprego? Sem diagnóstico correto é impossível prescrever a boa medicação. Nas décadas de 1940 e 1950 o mercado interno se expandiu, acelerado por elevadas taxas anuais de crescimento econômico. A implantação da indústria automobilística, nos anos de 1960, libertou-o de quase completa dependência da agricultura, do setor de fiação e tecelagem e da construção civil. Tornou-se intensa a procura por torneiros mecânicos, funileiros, ferramenteiros, ajustadores, desenhistas industriais, eletricistas, pedreiros, auxiliares de serviços gerais, afiadores de ferramentas, soldadores, projetistas, pintores, inspetores de esmaltação. A revista Veja, em reportagem publicada na edição de 19/12/1973, sob o título Onde está a mão-de-obra?, alude “à discreta guerra entre empregadores com o objetivo de preencher cargos vagos”. “Em matéria de emprego, a situação está boa para o trabalhador”, declarava Rubens Teodoro de Arruda, vice-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, responsável pela “bolsa de emprego”.

Com o mercado em expansão, aumentava o poder aquisitivo das classes trabalhadoras. Vendas a prestações e reajustamentos salariais que acompanhavam os índices de aumento do custo de vida estimulavam o crescimento de próspero comércio varejista. São Paulo tornou-se a cidade que não parava de crescer. Novos polos industriais surgiam em localidades como Campinas, Jundiaí, Guarulhos, Osasco, Limeira, Diadema. O dinheiro girava em alta velocidade e uma nova classe média ambicionava adquirir casa ou apartamento, geladeira, fogão a gás, máquina de lavar roupa, automóvel. O período de euforia começou a dar demonstração de desaquecimento nos primeiros anos da década de 1980. A derrubada das grades do Palácio dos Bandeirantes, em abril de 1983, foi obra de milhares de desempregados da zona sul de São Paulo que exigiam do governador Franco Montoro a criação de empregos inexistentes.

A globalização, definida pelo professor Ernesto Lozardo como “a oferta global de bens, serviços e capital financeiro e a demanda social global ao acesso a essa oferta existente” (Globalização, Ed. do Autor, 2007, pág. 37), chegou e nos invadiu sem pedir permissão. Trouxe consigo a informatização, a robotização e automação e penetrou na economia com resultados devastadores para o mercado de trabalho. São fenômenos que independem da nossa vontade e fora do nosso controle. Indústrias ineficientes, deficitárias, e ultrapassados ofícios e profissões desapareceram, comprovando a ineficácia da Constituição, da legislação trabalhista, da jurisprudência tutelar como ferramentas de proteção contra o desemprego. Impotentes diante de fatores externos, as esperanças repousam na capacidade de tomar medidas internas capazes de atraírem investimentos para setores de intensa utilização de mão de obra.

Ninguém arrisca dinheiro senão com o objetivo de realizar lucro. Se for bem-sucedido, o emprego provavelmente virá, mas como efeito colateral. Para havê-los em número suficiente, além da estabilidade do tripé econômico, composto por inflação controlada, superávit primário e taxa de câmbio flexível, é fundamental que se estabeleça um clima de segurança jurídica nas relações entre patrões e empregados. As cláusulas do contrato de trabalho, celebrado na forma da lei por pessoas capazes, com objeto lícito, devem ser sagradas para ambas as partes.

A contínua judicialização das relações de emprego impulsiona a substituição de mulheres e homens por ferramentas inteligentes. “O progresso de um país, seja ele pobre ou rico, não se constrói numa ilha de fantasias idealizada por economistas e filósofos”, escreveu Ernesto Lozardo. O Estado de bem-estar social, projetado pela Constituição, integra o espaço da fantasia. O desemprego, porém, é real, cruel e diário. Está presente, como pesadelo, na consciência do desempregado. Humilhado pela incapacidade de encontrar trabalho remunerador, o homem honrado transmite a frustração, o sofrimento e o desespero à família desamparada.

Desemprego rejeita medidas de longo prazo. Exige providências enérgicas, objetivas, imediatas. A reforma trabalhista não surtiu os efeitos previstos. Ficou na promessa. A reforma da Previdência cumprirá longa etapa de maturação até trazer os primeiros resultados. A anunciada reforma tributária, como de hábito, aumentará a carga que sobrecarrega o lombo do contribuinte.

O capitão Jair Bolsonaro foi eleito como garantia de mudanças. Prometeu ser diferente dos governos anteriores. Não haveria fisiologia, nepotismo, o “toma lá dá cá”. Gastos sete meses de mandato, nuvens carregadas surgem no horizonte. Impossível prever se trarão chuvas criadeiras ou se anunciam funestos temporais.

* ALMIR PAZZIANOTTO PINTO É ADVOGADO, AUTOR DE ‘30 ANOS DE CRISE 1988-1918’, FOI MINISTRO DO TRABALHO E PRESIDENTE DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO

Opinião por ALMIR PAZZIANOTTO PINTO