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Opinião|Saúde – desafios de integração e convergência

Há muito que avançar, mas integrado ao sistema filantrópico o SUS fez história

Atualização:

A despeito dos imensos desafios, nas últimas décadas, o Brasil constituiu uma realidade de promoção e atenção à saúde ímpar no mundo e inédita em nossa História. A Constituição de 1988 estabeleceu a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) e concomitantemente os setores privados, com e sem fins lucrativos, se expandiram.

Os 30 anos do SUS, recém-completados, sugerem uma reflexão. Obviamente, há muito que avançar na atenção à saúde, mas pode-se concluir que o SUS se tornou um patrimônio nacional. Citando o professor Eugenio Vilaça, “o SUS não é um problema sem solução, é uma solução com problemas”.

O SUS atende 207 milhões de brasileiros. Os serviços vão desde vigilância epidemiológica, sanitária e ambiental, passando por vacinação, transplantes, assistência farmacêutica de alto custo, até programas de combate à aids e à hepatite C, entre outros.

Integrado ao sistema filantrópico, o SUS avançou e fez história, apesar de todas as questões que enfrentamos. Seja por sua jornada ainda curta, seja por problemas organizacionais crônicos – especialmente o subfinanciamento da União, além das ineficiências pela estrutura e pela governança fragmentadas, indicadas em estudo do Banco Mundial –, o SUS apresenta muitos desafios a superar, como o excesso de judicialização, que mina orçamentos e desorganiza planejamentos. Mas não consigo vislumbrar o futuro do Brasil sem esse sistema de saúde.

Também não consigo enxergar o horizonte sem o incremento da integração com os setores privados, tanto os sem fins lucrativos (filantrópicos) quanto os com fins lucrativos (hospitais, clínicas, serviços de diagnóstico, médicos e outros profissionais da saúde), operadoras de planos de saúde (cooperativas médicas, como a Unimed, autogestões, medicina de grupo, seguradoras) e mesmo as empresas que contratam planos de saúde. Esse sistema de saúde suplementar consolidou-se pari passu com o SUS.

Como dissemos, a parceria filantrópica foi essencial à consolidação do SUS, conexão que se incrementou com a possibilidade de contratos de gestão com organizações sociais (OSs), a partir de 1998. Em 1999 criou-se a alternativa de ação com as organizações da sociedade civil de interesse público (Oscips). Em 2004 foram regulamentadas as parcerias público-privadas (PPPs), que permitem buscar financiamento particular para projetos de interesse público, incluindo a saúde.

Em 2018, no Brasil, mais de 200 municípios e 23 Estados faziam parcerias com OSs. Uma das principais vantagens desse sistema é a celeridade no processo decisório. A lentidão e o excesso de burocracia são verdadeiros agentes de desperdício e de sofrimento para as populações que mais precisam de atendimento público de saúde. No Espírito Santo avançamos nesse caminho, que abrimos durante nosso segundo mandato à frente do Executivo estadual.

O Estado capixaba adotou a gestão por OSs em 2009, e sempre com parceiros com larga experiência para administrar hospitais. Até o ano passado já eram quatro unidades. Menos burocratizada, organizacionalmente atualizada e intensivamente profissionalizada, a gestão por OS permitiu a potencialização dos investimentos. Criamos uma estrutura exclusiva na Secretaria da Saúde para controle, acompanhamento e avaliação da execução dos contratos. Com os ganhos de eficiência foi possível, muitas vezes com investimentos iguais aos anteriores à adoção desse modelo de gestão, ampliar o número de atendimentos, uma das maiores necessidades da saúde pública.

Outro caso de parceria é o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do SUS (Proadi-SUS), desenvolvido junto a hospitais filantrópicos de excelência reconhecida. Seguindo diretrizes estratégicas do Ministério da Saúde, as instituições contempladas desenvolvem projetos em diversos campos, como recursos humanos, gestão, tecnologias e pesquisas em saúde, entre outros.

Mas o setor público também pode fazer a estruturação do SUS avançar no quesito gestão. Apostando na descentralização, constituímos no Espírito Santo a Rede Cuidar. É uma rede de atendimento integral mantida pelo SUS, por Estado e municípios que propõe a reorganização do sistema de saúde pública, desde a porta de entrada na unidade básica de saúde, passando pelas consultas especializadas e pelos exames, até a rede hospitalar.

Em pontos estratégicos do interior capixaba as unidades da Rede Cuidar ampliam e humanizam a oferta de atenção, com atendimento multiprofissional, incluindo a promoção da vida saudável, capaz de resolver até 95% dos problemas de saúde da população em sua própria região, ou seja, perto de casa.

Integração, cooperação, diálogo e intercâmbio entre os mundos público, privado e não governamental são caminhos já comprovadamente bem-sucedidos. Tendo como foco o cidadão e como norte o fortalecimento do SUS e o estímulo à integração desses universos, é preciso pautar discussões e ações acerca do financiamento e regulação do setor; políticas públicas; marco produtivo de desenvolvimento econômico; modelos de gestão, remuneração, organização e assistência; além de recursos humanos, infraestrutura, equipamentos e tecnologias.

Considerando a mudança no quadro epidemiológico, com a predominância de doenças crônicas, que demandam atenção permanente, sobre doenças agudas, e se quisermos avançar para um sistema brasileiro de saúde inclusivo e qualificado, ético e economicamente sustentável, não há que desviar dessa rota colaborativa, mas, sim, investir talento e esforço político para incrementar o intercâmbio de experiências de excelência que o Brasil construiu nos últimos 30 anos, como as inovações em gestão nos setores não governamentais e a estruturação da atenção primária no sistema público. Desafio é o que não falta, mas caminhos já temos. É só avançar na caminhada da cooperação. *ECONOMISTA, FOI GOVERNADOR DO ESTADO ESPÍRITO SANTO (2003-2010 E 2015-2018)

Opinião por PAULO HARTUNG