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Opinião|Sorte, a fada madrinha do subtenente PM Queiroz

Quantos viveram na periferia do Rio, foram ao STF e ganharam habeas corpus?

Atualização:

O mineiro Fabrício Queiroz não dispõe de uma moeda número um do Tio Patinhas, não nasceu em berço de ouro nem pertence à seleta casta dos gatunos da politicagem e da burocracia. Nem do foro privilegiado, que evita penas. Sua sorte foi cruzar com o capitão Jair Bolsonaro na Brigada dos Paraquedistas da Vila Militar do Exército, no Rio de Janeiro. Não pode ser acusado de calculista: em 1984 nada prenunciava o futuro poder político do amigo, cuja carreira militar seria interrompida quatro anos depois. Mesmo tendo sido absolvido por nove a quatro pelo Superior Tribunal Militar (STM) da acusação de terrorismo por ter planejado atentados a bomba contra quartéis e a adutora do rio Guandu. O deslize levou o general Leônidas Pires Gonçalves a proibi-lo de continuar cursando a Escola Superior de Aperfeiçoamento de Oficiais (Esao) e isso o impediu de ser promovido a major. E inspirou o ex-presidente Ernesto Geisel a chamá-lo de “mau militar”, que “desejava um golpe”, em depoimento publicado em livro organizado por Maria Celina d’Araújo e Celso Castro, da Fundação Getúlio Vargas, em 1993.

Então o capitão se aventurava por um campo que seria mais profícuo para seu amigo do que a PM do Rio de Janeiro: a política. Em artigo assinado na revista Veja em 1986, O salário está baixo, reivindicando melhora do próprio soldo, Jair Bolsonaro deu o pontapé inicial no jogo sujo da velha política. Da vereança no Rio, herdada pela ex-mulher Rogéria Braga e pelo segundo filho, Carlos, então com 17 anos, iria para a Câmara dos Deputados, onde militou no baixíssimo clero por 28 anos até ludibriar a opinião pública e chegar à Presidência da República, montado em antipetismo, combate à corrupção, à criminalidade e aos privilégios de parlamentares e executivos da máquina pública, bandeiras abandonadas para voltar ao cômodo abrigo do foro para ele e os três filhos adultos, garantido pelos privilégios da casta que sufoca o País.

Assim, Queiroz foi premiado com um bom lugar à sombra, definido pelo ex-aliado Major Olímpio (PSL-SP) como “gerente financeiro” da famiglia presidencial. A concessão do habeas corpus desautorizando a ordem do ministro Félix Fischer, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, incorporou esse “ofício” de aderente do clã do mais poderoso da hora. Para desautorizar o relator do STJ o eterno prevento do STF pretextou falta de contemporaneidade em suas tentativas de destruir provas e ameaçar testemunhas, denunciadas pelo Ministério Público (MP) do Rio. E desprezou a mesma exigência, feita por Fischer, para atestados médicos idôneos de sua condição de enfermo, que se jactava de festinhas no falso escritório de advocacia de Frederick Wassef, então advogado do primogênito do capitão paraquedista. Além de ter sido flagrado com uma lata de cerveja na varanda do apartamento que lhe serve de prisão. O foro de aderente explica acesso e sucesso do pedido de um suspeito cuja classe social não predomina nas estatísticas dos requisitantes de habeas corpus no “pretório excelso”. E estende-se à mulher, que, foragida, só voltou para casa após a benemérita prisão domiciliar com tornozeleira concedida pelo presidente do STJ, João Otávio Noronha, notório pretendente à quarta vaga das duas que serão preenchidas pelo presidente de plantão.

Talvez ela não se deva à facilitação da fidelidade do acusado pelo MP do Rio de operar esquema de peculato, corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa do “chefão” desta, Flávio Bolsonaro. Mas a uma guerra que Mendes iniciou quando o ex-juiz da Operação Lava Jato, Sergio Moro, ousou condenar tucanos. O inimigo mortal do latrocínio socialista tornou-se, então, feroz detrator dos “lavajatistas”, termo cunhado por Augusto Aras, o mais recente oficial do exército que, no comando dos três Poderes da República, labuta na tarefa de permitir um eventual segundo turno da eleição presidencial de 2022 entre Bolsonaro e Lula, sem Moro.

A reputação deste sobreviveu ao conta-gotas ácido do site The Intercept Brasil e aos petardos do “gabinete do ódio” instalado a 30 metros do escritório do presidente. Mas agora a munição do paredão aguarda uso no paiol do STF, sob vigilância de Toffoli, Lewandowski e Mendes. Caso falhe a eventualidade de condenar a parcialidade de Moro, que poderá abrir caminho para a licença para Lula disputar o pleito pessoalmente ou por prepostos, prepara-se no Congresso, sob as bênçãos de Alcolumbre e Maia e o medo de punição da caterva de Centrão, PT e outros pretendentes ao tiro de misericórdia, a quarentena de oito anos para juízes e procuradores disputarem eleições. O detalhe da desfaçatez é ser esse prazo idêntico ao dado a bandidos condenados.

A volta de Bolsonaro ao Centrão, criado por Eduardo Cunha para depor Dilma, consagra-se na escolha de Ricardo Barros, ex-líder de Fernando Henrique, ex-vice-líder de Lula e Dilma e ex-ministro (da “Saúde”) de Temer, embaixador da caridade bolsonarista à mágica e trágica Beirute. Na escolha pesou sua militância declarada pela impunidade sabuja. 

*JORNALISTA, POETA E ESCRITOR

Opinião por José Neumanne