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Opinião|Um cemitério de processos

Cerca de 8,5 milhões de ações arquivadas do TJSP custam R$ 90 milhões todos os anos

Atualização:

O gigantismo do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) sempre serve para nos assustar pelo número crescente de processos que ali entram todos os dias para serem julgados. Talvez seja mesmo não só o maior tribunal do Brasil, mas, quem sabe, um dos maiores do mundo.

Os códigos processuais em vigor no País têm responsabilidade pela demora dos julgamentos, porque preveem recursos em demasia, a que os juízes estão submetidos e devem cumprir. Para tornar mais rápida a resposta a essa demanda de julgamentos talvez fosse necessário dobrar ou triplicar o número de servidores e juízes, algo impensável, por ser cara, muito cara, a máquina do Judiciário.

Mas não somente o número de novos processos diários assusta: algo também assustador, quase fantasmagórico, é o cemitério de processos findos e arquivados: são aproximadamente 8,5 milhões, que custam todos os anos cerca de R$ 90 milhões – somente em locação predial são gastos mais de R$ 8 milhões).

Com tantos processos no arquivo morto, exigindo recursos para manter a sua existência, é normal que se pergunte: não seria melhor nos livrarmos deles, preservando apenas os de interesse histórico ou que ainda possam ter consequências jurídicas?

Existem dificuldades legais que impedem o rápido descarte dos processos já julgados e sem utilidade prática, entre elas a Recomendação n.º 37/2011 do Conselho Nacional de Justiça e a Resolução n.º 637/2013 do próprio TJSP. São quase uma camisa de força.

Mas o assunto incomoda e prevê-se um desfecho breve. O desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças, presidente do Tribunal de Justiça paulista, esteve recentemente num dos arquivos, no bairro do Ipiranga, e ficou surpreso por encontrar tantas ações de pouquíssima importância, como despejos, furtos de pequena monta, casos de pensão alimentícia com 30, 40, 50 anos de existência, de nenhuma serventia, mas que continuam guardados como se fossem coisas valiosas.

A convicção de Pereira Calças, bem como do vice Arthur Marques da Silva Filho, é de que se deve encontrar uma solução rápida, ainda no começo do ano novo, como forma de reduzir despesas e poder aplicar o que se economizar em coisas mais úteis – cursos de aperfeiçoamento para juízes e servidores, por exemplo.

O ideal seria informatizar todo esse incomensurável arquivo, de tal forma que qualquer dos processos ali guardados pudesse ser visto com a ajuda do computador por quem se interessasse. Para a desejável digitalização desse imenso cemitério, porém, seriam necessários recursos ainda maiores.

Não há solução fácil, tanto que o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, acionou o Conselho Nacional de Justiça e convocou uma reunião com os presidentes dos Tribunais de Justiça. Ali o tema foi discutido, com a participação do presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, juiz Jayme Martins de Oliveira Neto.

A reunião serviu para enfocar problemas graves do momento, tais como o combate à impunidade dos autores de atos de violência, incluídos os assassinatos de crianças. Mas, por sua importância, a questão dos cemitérios de processos ganhou expressão e levou os presidentes dos Tribunais de Justiça de São Paulo e do Rio de Janeiro a proporem o seu enfrentamento. Entendeu-se que há urgência em discutir e encontrar uma solução.

Pereira Calças foi peremptório na afirmação de que não se deve continuar a despender tanto dinheiro com esses arquivos e que é necessário encontrar um caminho que seja ao mesmo tempo legal e menos oneroso. Já o desembargador Milton Fernandes de Souza, presidente do TJRJ, defendeu a virtualização dos arquivos, lembrando que é obrigatório manter por 20 anos a guarda do processo físico. Ele insistiu em que seria melhor ter arquivos virtuais, que custariam muito menos.

Sempre é bom lembrar que os processos judiciais arquivados são físicos, ou seja, ainda existem, embora em número menor, apesar dos avanços da tecnologia. Já os processos eletrônicos, de fácil arquivamento, representam atualmente a grande maioria dos feitos, que chegam aos olhos dos juízes pela tela do computador.

No Estado de São Paulo, por exemplo, todas as comarcas estão interligadas e por isso o número de pessoas que afluem ao Fórum é cada vez menor. Atualmente os advogados podem acompanhar o andamento de seus processos pela via eletrônica, ou seja, já não precisam ir ao cartório para esfregar a barriga no balcão e pedir ao servidor vista dos autos.

Essa nova realidade poderá influir no tamanho dos Fóruns que forem construídos em cada cidade, não haverá mais necessidade de prédios enormes e de cara construção. Verifica-se, por exemplo, que em muitos Fóruns existe um grande espaço reservado aos júris, que são realizados poucas vezes durante o ano. Ou seja, enorme espaço de pouca utilidade.

Prevê-se que o TJSP, no enfrentamento do problema dos processos arquivados, autorize o acesso de pessoas interessadas em ter vista e carregar consigo o original ali guardado. Para isso, certamente, terão de demonstrar o legítimo interesse, a ser avaliado judicialmente.

Entre esses milhões de processos arquivados se encontram histórias de todo tipo, dramas familiares, disputas apaixonadas pela posse ou acesso a bens materiais, crimes de toda espécie, até mesmo os de feição passional que frequentaram durante semanas as páginas dos jornais. Há processos incrivelmente antigos, alguns de claro interesse histórico, circunstância que torna difícil a decisão de extinguir os arquivos.

Enfim, ainda não se tem certeza de como serão extintos os processos físicos arquivados.

*DESEMBARGADOR APOSENTADO DO TJSP, FOI SECRETÁRIO DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO.

E-MAIL: ALOISIO.PARANA@GMAIL.COM

Opinião por Aloísio de Toledo César