27 de março de 2019 | 03h00
John Kenneth Galbraith – economista, professor de Harvard e conselheiro dos presidentes democratas Franklin D. Roosevelt, Harry S. Truman, John F. Kennedy e Lyndon B. Johnson – escreveu que uma revolução depende de três fatores: líderes decididos, seguidores disciplinados e, primordialmente, de um outro lado enfraquecido. Segundo Galbraith, “toda revolução bem-sucedida é como um pontapé em uma porta já podre”. Embora tenha sido elaborado tendo em mente as Revoluções Francesa, Russa e Chinesa, seu pensamento se mostra aplicável a qualquer troca de regime.
Se um governo age de maneira razoavelmente justa e capaz, se não está preocupado simplesmente em manter o poder e seus privilégios, se não está afogado em corrupção e favorecimentos e se há um razoável nível de liberdade e de bem-estar, nenhuma mudança é engendrada, a chance de uma articulação para a tomada de poder é desprezível e, consequentemente, nenhuma “revolução” acontece.
O regime de governo instalado na Venezuela por Hugo Chávez e continuado por Nicolás Maduro avançou vertiginosamente para um irrecuperável estado de deterioração. São de causar comiseração e náuseas os inúmeros vídeos, fotos e relatos da população faminta e das perseguições a cidadãos desarmados, em plena luz do dia, pelas milícias chavistas. Como destacado em dois diferentes editoriais do Estadão semanas atrás, os “violentos confrontos nas fronteiras da Venezuela com o Brasil e a Colômbia, no fim de semana passado, impediram a entrada da ajuda humanitária há muito esperada por um povo cada vez mais faminto e doente”. E ainda: “O povo venezuelano agoniza premido pela perversidade da ditadura de Nicolás Maduro. Os cidadãos afortunados o bastante para sobreviver à violência dificilmente escapam da fome. Os mais pobres, que compõem a maior parte da população, perderam entre 20% e 30% do peso corporal nos últimos dois anos. A maioria dos supermercados está desabastecida, mas ainda que houvesse produtos nas prateleiras não há renda que resista a uma inflação de 1.000.000% ao ano. Faltam medicamentos, água e outros insumos básicos para viver com dignidade na Venezuela”.
Assim, com tamanho descalabro, por que Nicolás Maduro ainda mantém o poder de fato, mesmo tendo sido um novo presidente proclamado pela Assembleia Nacional, o “líder decidido” Juan Guaidó? O que impede a ruína definitiva do governo Maduro, tão desejada pelas multidões de “disciplinados seguidores” venezuelanos, que se expõem também muito corajosamente, dia após dia, à truculência das Forças Armadas e à crueldade dos justiceiros bolivarianos?
A resposta é desalentadora, mas razoavelmente simples de ser sintetizada: para além das iniciativas incessantes e explícitas de condicionamento – via censura, controle dos meios de comunicação e dos intermináveis discursos diários, antes de Chávez e agora de Maduro – foi construído ao longo dos anos de regime chavista um sistema extremamente eficiente de coerções e de recompensas. Os principais adversários políticos foram presos ou “imobilizados”; as Cortes de Justiça, amedrontadas; os maiores empresários, ameaçados ou expropriados; as Forças Armadas, cooptadas pelo afastamento dos não alinhados e pela promoção de mais de 2 mil militares ao posto de general, que passaram a compartilhar as benesses geradas pelo funcionamento de uma máquina econômica e social completamente canhestra.
Se tudo isso não bastasse, vale lembrar que foi formada uma milícia com mais de 100 mil homens armados – efetivo equivalente ao do próprio Exército venezuelano – e que foram enviados por Cuba mais de 20 mil homens para apoiar o regime, este último número citado pelo luminar José Nêumanne também neste Estadão. Importante lembrar que todo esse aparato foi construído com o apoio e recursos de governos brasileiros, colocando nosso país em vergonhosa posição de cumplicidade.
Em suma, a democracia na Venezuela foi totalmente desconstruída – apesar de mantidos farsescos ritos eleitorais – e substituída por uma avassaladora concentração de poder cujo núcleo é formado por Nicolás Maduro e seu círculo mais próximo de generais venezuelanos e de agentes de segurança cubanos. A porta está podre, mas essas escoras chavistas tornam mais demorado o momento em que a ditadura cairá finalmente em frangalhos por um libertador pontapé do povo venezuelano. Maduro, além dos militares, conta com o apoio da Rússia, da China e da Turquia. Exceto por uma improvável intervenção externa, defendida por alguns políticos nos Estados Unidos, ou por uma fratura no círculo mais próximo do déspota, a imensa agonia venezuelana ainda deve, infelizmente, se prolongar.
Finalizando, o papel do Brasil na atual situação tem sido auspicioso. O País ajudou a constituir o chamado Grupo de Lima, formado pela grande maioria dos países latino-americanos, e se alinha a mais de 40 países de todo o mundo que reconhecem a presidência interina de Guaidó, dentre eles a Alemanha, a Austrália, a Espanha, o Reino Unido e a Suécia. Ao se compor com esses países para apoiar uma transição pacífica e buscar caminhos para que a ajuda humanitária alcance a população, o Brasil se redime diplomaticamente e se afasta diametralmente da antiga posição de parceiro e financiador do bolivarianismo venezuelano, que para governantes passados – e agora encarcerados – “tem democracia até demais”.
Neste momento, apenas os brasileiros aparvalhados pela ideologia socialista ou os oportunistas que não perceberam ter perdido o trem da história ainda tecem loas àquele abominável regime.
*PROFESSOR DE LIDERANÇA E COMPORTAMENTO ORGANIZACIONAL DO INSPER, CONSELHEIRO E CONSULTOR NAS ÁREAS DE CULTURA, MUDANÇA E GESTÃO DE PESSOAS, É ENGENHEIRO DE PRODUÇÃO E DOUTOR EM ENGENHARIA
PELA ESCOLA POLITÉCNICA DA USP
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